30/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-9C - GT 9 - Drogas e contextos vulnerabilizantes |
30308 - A CULTURA DE USO DO CRACK EM PERNAMBUCO: UM ESTUDO SOBRE LUGARES E SENTIMENTOS DOS INVISÍVEIS RENATA BARRETO FERNANDES DE ALMEIDA - FBV/FAVIP, NAÍDE TEODÓSIO VALOIS SANTOS - FIOCRUZ/IAM, KEILA SILENE DE BRITO-SILVA - UFPE/CAV, ANA MARIA DE BRITO - FIOCRUZ/IAM, SOLANGE APARECIDA NAPPO - UNIFESP
Introdução
O consumo do crack emergiu no Brasil no final da década de 1980, apresentando-se como um fenômeno de rápida expansão, principalmente entre a população de maior vulnerabilidade social. Os usuários de crack e/ou similares são, em sua maioria, homens negros, jovens, pouco escolarizados, que estão vivendo em situação de rua e não tem emprego/renda fixa. Diferentes autores ao analisarem a disseminação social do uso do crack, a relaciona com as condições de vida.
Objetivo
Considerando a relação entre vulnerabilidade e uso prejudicial de drogas, este estudo objetivou compreender a cultura de uso do crack no estado de Pernambuco, tendo como recorte central a marginalização social.
Metodologia
Foi realizado um estudo de abordagem qualitativa, utilizando, como instrumento para coleta de dados, entrevistas semiestruturadas, com 39 pessoas (homens, mulheres e travestis), maiores de 18 anos, que faziam uso de crack regularmente (pelo menos 25 dias nos últimos seis meses) e eram atendidas pelo Programa Atitude – Programa de Atenção Integral aos Usuários de Drogas e seus Familiares, da Secretaria Executiva de Políticas sobre Drogas de Pernambuco.
O Programa Atitude compõe a Política Estadual de Assistência Social e tem como objetivo responder à situação de vulnerabilidade social de usuários de drogas e seus familiares. Atualmente, é referência no cuidado aos usuários de crack e outras drogas em Pernambuco, atendendo prioritariamente aqueles em situação de exposição à violência, que precisam se afastar de suas comunidades e estão com vínculos familiares fragilizados ou rompidos.
A análise das entrevistas foi feita aplicando a técnica de análise de conteúdo por meio do software NVivo 10.0, resultando em quatro temas centrais que permitem a compreensão acerca da vulnerabilidade entre os usuários de crack: formas de uso, ambientes de uso, regras de convivência ou estigma do usuário. Para cada um dos temas, foram obtidas diferentes categorias.
Resultados e Discussão
Com base nas entrevistas analisadas, pode-se afirmar que os aspectos relacionados ao contexto social do consumo do crack têm estreita relação com o aumento de situações de vulnerabilidade vividas por esses usuários. O uso problemático de crack, fortemente relacionado à exclusão social, incorre em situações de marginalidade associadas à sua cultura de uso, que envolve ambientes conflituosos, violentos e insalubres, em lugares considerados inapropriados para a convivência social, como terrenos baldios, espaços oferecidos pelo traficante, casas abandonadas, embaixo de pontes e viadutos.
Viver constantemente nestes lugares, sob forte estigmatização, com sentimento de desconfiança e medo, inclusive devido aos efeitos da droga, potencializados pela necessidade de obtê-la por conta da fissura, que, por sua vez, resulta na adoção de estratégias como roubos e comercialização do sexo, implica na ampliação das situações de vulnerabilidade dessas pessoas, de sua exclusão e marginalização social.
A ausência de cracolândias foi um dos diferenciais da cultura de uso de crack em Pernambuco. Esse consumo mais isolado, escondido e discreto, que não chame atenção é dissonante de outros estudos já desenvolvidos no Brasil.
A internalização do estigma é identificada nos relatos dos entrevistados, que trazem nas suas falas a concepção de que usuário de crack não presta, é feio e não é digno de viver em sociedade. Esse processo os tornam cada vez mais vulneráveis e distantes de espaços institucionais de cuidado, por acharem que não são merecedores desse direito.
Considerações Finais
As experiências destes usuários, ainda que singulares, podem produzir ressonância para profissionais que atuam nessa área, desafio a ser enfrentado por todos que trabalham com usuários de drogas, principalmente, o crack, no sentido de garantir a estes um cuidado adequado para suas demandas.
Algumas experiências nacionais, a exemplo do Programa Atitude (Pernambuco) e o de Braços Abertos (São Paulo), demonstram que ações e serviços de baixa exigência e com estratégias de abordagem de rua apresentam resultados positivos, reduzindo a vulnerabilidade características do uso compulsivo de crack.
Pesquisas qualitativas relacionadas ao consumo de crack no Brasil para a compreensão do comportamento e das situações de vulnerabilidade vividas pelas pessoas que fazem uso abusivo dessa substância ainda são escassas. Diante da complexidade dessa problemática, maiores investimentos científicos precisam ser prioritários para que políticas públicas de atenção aos usuários de crack possam ser repensadas e melhor elaboradas para atender todas as particularidades relacionadas à atenção integral dessas pessoas.
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