29/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-10B - GT 10 - Classificação da deficiência, cuidado e direitos |
30923 - O FILHO É DA MÃE? PRÉ-CAMPO EM PESQUISA QUALITATIVA EM SAÚDE COLETIVA SOBRE COMO CUIDADORES DE CRIANÇA COM SCZ ARTICULAM CUIDADO E TRABALHO JORGE ALBERTO BERNSTEIN IRIART - INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA/ UFBA, MÔNICA ANGELIM GOMES DE LIMA - FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA/UFBA, GABRIELA SOUZA DE OLIVEIRA SAMPAIO - INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA DA UFBA
INTRODUÇÃO: A recente emergência da Síndrome Congênita do Zika Vírus aumentou o contingente de pessoas consideradas com deficiência exigindo novos modos de incluir e de lidar com as pessoas com deficiência. A Síndrome Congênita do Zika Vírus pode ser lida a partir de uma condição de cronicidade e desse modo, há o interesse em investigar como essa condição se relaciona com inclusão de cuidadores dessas crianças no trabalho. O nascimento de uma criança fora da “norma” exige novas compreensões por parte dos seus cuidadores não somente acerca da experiência de viver com um corpo sob uma condição de deficiência, mas modificações no seu cotidiano nos tempos presente e futuro. A doença interrompe o curso “normal” dos eventos e afeta de forma desigual em decorrência do gênero, raça/etnia e classe, principalmente a inclusão do (a) cuidador(a) no trabalho. Assim, para a realização de uma pesquisa em nível de doutorado sobre experiência de cuidadores de crianças com SCZ e sua articulação com trabalho, um pré-campo foi realizado.
OBJETIVO: o principal objetivo deste pré-campo foi explorar como os cuidadores de crianças com SCZ pensavam sobre trabalho, cuidado, seus principais desafios e suas formas de inclusão no mundo produtivo e como percebiam a sua condição de pessoas que cuidavam de crianças com deficiências METODOLOGIA: Nos anos de 2017 e 2018, a pesquisadora principal participou de dois grandes eventos ocorridos em Salvador, Bahia que trataram de assuntos relativos às crianças com SCZ e seus familiares, que foram a “Feira Zika” (agosto de 2017) e uma audiência pública realizada no Ministério Público do Estado da Bahia (setembro de 2018) onde os familiares buscaram, junto ao poder público, reivindicar seus direitos pelo cuidado à saúde e proteção social. Em ambos os espaços, a pesquisadora principal se apresentou para alguns cuidadores como estudante de pós-graduação em saúde e interessada na temática cuidado e trabalho. Foi informado aos mesmos que seria uma conversa informal, tratando-se de uma etapa exploratória da pesquisa. Nenhum roteiro para guiar a conversa foi construído. Obteve-se o consentimento verbal e garantida confidencialidade. Foram acessados homens e mulheres e as conversas foram registradas por meio de recordatório no Diário de Campo.RESULTADOS E DISCUSSÃO: os resultados apontam que predominantemente é a mulher que se ocupa do cuidado de crianças com SCZ, dedicando-se exclusivamente desde as necessidades básicas até as sessões de cuidado extra-residênciais (serviços de saúde, Organizações Não-governamentais) e inclusão em espaços sociais (como creches e escolas). Quanto ao trabalho, algumas mulheres se referiram está seguindo “carreira de cuidadora”, e muitas utilizaram a metáfora “funcionária do filho”. Justificaram a impossibilidade de trabalhar dada a solidão no cuidado e restrito apoio familiar, da rede social como também dificuldade de inclusão das crianças em políticas públicas, tais como escolas e creches. Grande parte dos cuidadores são beneficiários do Benefício de Prestação Continuada, o que, segundo eles, limita sua inclusão no trabalho formal. Apesar da condição de não-trabalho, algumas mulheres participavam de oficinas de geração de renda em ONGs e vendiam seus produtos a pessoas próximas. Algumas pessoas revendiam cosmésticos com visibilidade no mercado. O único homem acessado estava desempregado. CONCLUSÃO: pré-campo realizado informa sobre a predominância do gênero feminino com o papel de cuidador exclusivo de uma criança com deficiência. As falas das cuidadores dizem sobre “solidão” no cuidado e sobrecarga do mesmo, quando destacam que o âmbito familiar é importante mas muitas vezes mostra-se insuficiente quanto à divisão das tarefas: “ o filho é da mãe” resume a visão que circula na sociedade a respeito de quem tem obrigatoriamente que cuidar. A condição de pessoa com deficiência evidenciada no corpo da criança faz da mãe a expert desta, única conhecedora e capaz de cuidar, endossando a obrigatoriedade do cuidado imposta à mãe. As políticas públicas relativas ao BPC e as escolas e creches são estruturas importantes, que ora limitam a inclusão desta cuidadora no âmbito produtivo, ora se constituem como principais recursos para essa inclusão.
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