29/09/2019 - 15:00 - 16:30 CB-10B - GT 10 - Deficiência, políticas e bem viver |
29928 - CRIANÇAS VIVENDO COM OSTOMIAS: DIÁLOGOS ENTRE POLÍTICAS E EXIGÊNCIAS CAPACITISTAS. THAIS AMORIM SILVA - INSTITUTO FERNANDES FIGUEIRA - IFF/FIOCRUZ, MARTHA CRISTINA NUNES MOREIRA - INSTITUTO FERNANDES FIGUEIRA - IFF/FIOCRUZ, NOÉLIA SILVA LADISLAU LEITE - INSTITUTO FERNANDES FIGUEIRA - IFF/FIOCRUZ
O presente trabalho se gesta no entrelaçamento entre ostomia e deficiência. Buscamos, através de um recorte político, trazer à cena o diálogo que reconhece as crianças e os adolescentes
ostomizados como sujeitos com deficiência, em articulação com um corpo que sofre as exigências do capacitismo.
As crianças e adolescentes com um órgão exteriorizado, nomeados pela ciência como ostomizados, passaram por “intervenção cirúrgica com o objetivo de restabelecer a comunicação
entre uma víscera/órgão e o meio externo, compensando seu funcionamento afetado por alguma doença” (Leite e Cunha, 2007, p. 93). A nomenclatura obedece aos prefixos localizados na
topografia orgânica e de acordo com a função substitutiva do órgão, temos: traqueostomia, gastrostomia, colostomia, nefrostomia, ileostomia, cistostomia, vesicostomia, ureterostomia.
Leite e Cunha (2007) apontam como produto dos avanços tecnológicos investidos na área da saúde, a crescente sobrevivência da população infantil. Esse público, agrupado sob a sigla de
CRIANES – Crianças com Necessidades Especiais em Saúde, recebem uma assinatura ainda mais minuciosa quando o uso de tecnologias se inscreve. São agora reinscritas como CDT – Crianças
Dependentes de Tecnologia, definido primeiramente pelo The Office of Tecnology Assessment (OTA) em 1987.
Concebemos os diagnósticos como agentes. Vinciane Despret (2013) pensa os agentes como relações de forças aptas a produzir uma certa realidade. Ou seja, os agentes não se definem como
disparadores isolados da ação. São os agenciamentos com outros agentes que os fazem capazes de atuar. Por esse fio, a capacidade de agir do diagnóstico testemunha a existência de conexões com outros elementos. Fazer uso de tais siglas para falar de corpos com deficiência, grifa a prevalência do saber clínico especializado, cujo privilégio discursivo da biomedicina oculta a reflexividade das pessoas com deficiência. Há então um duplo movimento, ambos violentos e silenciadores: expropria-se o próprio corpo ao subjugá-lo a um saber clínico; expropria-se o saber do outro sobre
si, ao apagar suas marcas em narrativas genéricas.
Atualmente, segundo a ABRASO (Associação Brasileira de Ostomizados, 2003), há cerca de 50 mil ostomizados no Brasil, sendo a maioria jovens vítimas de situações envolvendo arma de
fogo, arma branca ou acidente. Rastreando os artigos disponíveis no site da ABRASO, nos encontramos com uma população que luta por políticas públicas e pelo lugar da deficiência. Foi
com o decreto nº 5.296/94, assinado pelo vice-presidente José Alencar, também ele com ostomia, que o sujeito ostomizado passou a se enquadrar na condição de sujeito com deficiência. Essa
guinada nos rumos dos corpos com órgão exteriorizado, assinala a entrada numa série de direitos e benefícios, como o BPC (Benefício de Prestação Continuada), os quais se viam excluídos.
Partindo da experiência de atenção à saúde de crianças e adolescentes com ostomias, as práticas nos indicam fraca interação com as discussões da deficiência e as marcas do capacitismo.
Os objetivos referem-se então a reconhecer as crianças e os adolescentes com ostomias como sujeitos no campo político e articular o campo da ostomia com os Estudos Sociais da Deficiência.
O trabalho se inspira no formato de ensaio teórico. Cumpre a função de fortalecer discussões que ainda possuem pouco acúmulo no campo delimitado para estudo. Para tanto, dialoga com
conceitos fundamentais para as relações que se quer tratar. Neste caso, o conceito de capacitismo em conversa com os corpos com ostomias pela perspectiva dos Estudos Sociais da Deficiência.
O resultado se desdobra na possibilidade de incrementar no interior da saúde coletiva um diálogo com o saber clínico em articulação com as dimensões humanas e sociais da diferença.
Sublinhamos as lacunas apresentadas pelos Estudos Sociais da Deficiência no que diz respeito aos corpos de crianças e adolescentes com ostomia. Os estudos em torno do estoma abrem um diálogo com as práticas clínicas, ou com os operadores de saúde, que tradicionalmente se apoiam na busca de um ideal perdido por meio do treinamento anatomo-fisiológico. As ciências sociais deixam um rastro vazio no campo da ostomia. Ficamos com um hiato entre uma discussão com a deficiência associado a uma discussão com o corpo da criança e adolescente com ostomia.
Assim, importa desmontar a ideia de que esse corpo pós-cirúrgico está colocado a partir da falha de um órgão biológico. Importa finalmente tornar audível o silenciamento das crianças e dos
adolescentes. Os adultos como centros das vozes e ações, nos faz pensar, que no caso das crianças e adolescentes, o capacitismo se insere na partida, diante da obviedade da faixa etária.
Ao propor uma conexão entre o campo da ostomia com os Estudos Sociais da Deficiência, nos lançamos a refletir sobre o lugar das crianças e adolescentes nos processos de inclusão,
compreendendo esses corpos como políticos, sociais e transformadores da realidade em que vivem.
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