29/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-21A - GT 21 - Itinerários terapêuticos: vulnerabilidade(s), interseccionalidade(s) e experiências de luta pelo direito à saúde no e para além do SUS 1 |
30497 - SAÚDE, SABERES E ITINERÁRIOS TERAPÊUTICOS NA COMUNIDADE INDÍGENA DA LAGOA DE TAPARÁ, EM MACAÍBA-RN. ROBERTO CARLOS NUNES QUEIROZ DE MENDONÇA - UFRN
Os índios Tapuias da Lagoa de Tapará encontram-se no território correspondente a zona rural, entre os municípios de Macaíba e São Gonçalo do Amarante, no estado do Rio Grande do Norte, totalizando 499 indígenas. Desde 2010 os mesmos vêm reivindicando o reconhecimento de suas identidades como indígenas, engajando-se ao movimento indígena do Estado e desta forma (re)construindo coletivamente práticas tradicionais, significados e memórias. Entre dificuldades e avanços a comunidade tem feito reflexões sobre o significado de saúde, possibilitando uma articulação entre a retomada de práticas tradicionais de cura, com a luta pelo território e o acesso às práticas biomédicas através do Sistema Único de Saúde (SUS). Problemas como: acesso à água natural, tratada e/ou água encanada, lotes para agricultura familiar, invasão da monocultura de cana-de-açúcar, falta de transporte público para a comunidade, falta de atendimento médico acessível e de qualidade, ausência de saneamento básico, são atributos levantados em suas falas para explanar obstáculos no acesso à qualidade de vida e bem-estar da população. No momento da pesquisa destaquei a presença de rezadores, enquanto um modelo médico tradicional, serviços ofertados pela Unidade Básica de Saúde (UBS), e uma equipe multidisciplinar cedida pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) da Paraíba, além dos atendimentos na Unidade de Pronto Socorro (UPA) e aqueles referentes à atenção secundária, ambos prestados em Macaíba. Os serviços do modelo biomédico são trazidos nas falas dos indígenas, em muitos momentos, com uma precariedade na acessibilidade, na integralidade e longitudinalidade dos atendimentos apresentada, como uma má compreensão dos funcionários da saúde das especificidades que a atenção indígena requer, pela alta rotatividade dos médicos da UBS, por um atendimento a-histórico e hierarquizante dos médicos, pelas irregularidades na presença da equipe multidisciplinar na comunidade, entre outros. Atravessando esse contexto local, o vigente trabalho pretendeu acessar os itinerários terapêuticos dos índios Tapuias da Lagoa de Tapará, a fim de compreender os caminhos tomados num contexto de precariedades, no qual a identidade étnica se faz presente e articulada nos agenciamentos para a efetivação da cura e/ou alívio de sofrimentos, doenças, enfermidades e mal-estares. A pesquisa se deu metodologicamente através da articulação entre pesquisa e extensão universitária, em que a partir de oficinas temáticas solicitadas pela comunidade, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas. Os dados foram coletados por gravações e transcritas em narrativas, as quais passaram por uma análise de conteúdo temático. Com a retomada da identidade indígena, a qual transversa um argumento de retorno à tradição, como também no contínuo engajamento político deste povo, perpassa-se pelos mesmos uma reelaboração e ressignificação de práticas terapêuticas, como também do manejo do território, repercutindo nos caminhos tomados para acessar a cura e/ou alívio de doenças, enfermidades, sofrimentos e mal-estares, estes vistos predominantemente nos usos de chás, lambedores e plantas medicinais diversas. Os percursos conglomeram articulações de saberes e técnicas, pela mediação da autoatenção, no qual se fazem presentes os modelos tradicionais de saúde e biomédicos, tendo assim em Tapará um espaço de intermedicalidade. Trata-se desta forma, de mostrar uma nova organização de controle, preferências, negociações, potencializações, agenciamentos e empoderamentos de tratamentos que versam uma identidade étnica em foco, lidando desta forma com as dificuldades enfrentadas pelos serviços de saúde da região, que além de nem sempre atentarem ao marcador da diferença, pouco se fazem eficazes, ao entender dos interlocutores. É importante considerar que a integralidade da saúde perpassa interfaces socioculturais e biodemográficas, no qual os indígenas a produzem através de uma intersecção de uma identidade étnica, sendo, portanto, identidade e saúde indissociáveis. Em um contexto de ascensão neoliberal, o qual a própria reformulação da Política de Saúde de Atenção Básica (PNAB) pode vir a ferir os princípios norteadores do sistema único de saúde, além de discussões como o fim da Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), precisamos refletir sobre meios resilientes de atentar a uma atenção de saúde que preze a integralidade de um atendimento que respeite as diferenças socioculturais. Desta forma, o trabalho se propõe a pensar como os indígenas de Tapará estão articulando saberes e estratégias na conquista de seu bem-estar e qualidade de vida, vinculada a uma identidade étnica em construção, em meio a uma pouca atenta gerência estatal nas políticas públicas, infortúnios do sistema de saúde e conflitos territoriais, como também, concomitantemente, os índios vêm refletindo sobre a eficiência do sistema de saúde e demandando melhorias do mesmo.
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