28/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-31A - GT 31 - Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional - SSAN e os povos e comunidades tradicionais: concepções e experiências em diálogo com o SISAN |
29942 - AQUISIÇÃO E CONSUMO DE ALIMENTOS: OUVINDO E OLHANDO ALÉM DOS QUESTIONÁRIOS, RELATO DE EXPERIÊNCIA EM ÁREA RIBEIRINHA DA AMAZÔNIA EVELYNE MARIE THERESE MAINBOURG - ILMD/FIOCRUZ, ANA CAROLINA DA SILVA MEDEIROS - ILMD/FIOCRUZ, NAIARA LIMA PEREIRA - ILMD/FIOCRUZ
Contextualização: A alimentação, além de seu papel fisiológico, tem importante valor no processo de fortalecimento da identidade cultural e da organização social que envolve também as características pessoais dos indivíduos, implicando nas suas escolhas por determinados alimentos, na sua forma de preparo e também no compartilhamento dos hábitos. Por carregar um importante papel dentro de uma construção social, a alimentação possibilita observar mudanças significativas numa sociedade (CANESQUI; DIEZ-GARCIA, 2005). O conhecimento sobre o consumo alimentar de uma determinada população fornece informações valiosas sobre sua organização, sendo que desta forma é possível identificar suas necessidades e prioridades (ROMANI & AMIGO, 1986). Atualmente ocorre um período de transição alimentar e nutricional em diversos países com o aumento do consumo de alimentos com alto teor de açúcares e gorduras (CROVETTO et al, 2014; LOUZADA et al, 2015). Essa tendência também se reflete no Brasil e então nas comunidades mais afastadas dos polos urbanos (LOUZADA et al, 2015). A alimentação de uma população sendo reflexo das mudanças sociais, é de suma importância compreender as dinâmicas que impactam sobre a mesma, em particular na região amazônica, cenário pouco explorado. Descrição: Esse relato de experiência parte da pesquisa de campo do projeto “Estudo exploratório das condições de vida, saúde e acesso aos serviços de saúde de populações rurais ribeirinhas de Manaus e Novo Airão, Amazonas” (número de CAAE: 57706316.9.0000.0005) apoiada pelo CNPq (Processos nº 407944/2016-8 e nº 400898/2018-7) e FAPEAM/PPSUS-01/2017 - EFP_00014168. Nós, orientadora e mestrandas (bolsistas CAPES) cujo projetos de pesquisa sobre alimentação são inseridos neste estudo, fizemos observações durante a aplicação dos questionários do macroprojeto acima citado (amostra aleatória estratificada de 300 indivíduos em 25 comunidades). Período de realização: março a maio de 2019. Objetivo: Entender como os fatores ambientais e sociais influenciam as condições de vida e em particular a alimentação dessas populações. Resultados: É recorrente encontrar famílias que abandonaram atividades comuns das populações tradicionais, como roça, caça, coleta de frutos e outros produtos de extrativismo. O que ainda se mantém, de forma discreta é a pesca, com pouca frequência nos jovens. Famílias inteiras se dedicam à fabricação de espetos de churrasco que só conseguem vender a preço muito baixo, para comprar alimentos. Muitas famílias recebem bolsa família, seguro defeso e/ou bolsa floresta, complementando a renda e sendo imprescindíveis ao seu sustento. Dessa forma, a agricultura e outras práticas de subsistência não são mais as formas majoritárias de sobrevivência. É comum o relato de deslocamento para a cidade (nem tão próxima) uma vez por mês, principalmente para recebimento de benefícios sociais, proporcionando a essas pessoas a oportunidade de fazer compras. Esse fluxo entre a área ribeirinha e a cidade é marcante. Quase todas afirmam priorizar a compra de mantimentos como arroz, feijão, açúcar, óleo, embutidos e frango congelado. Dialogando com essas pessoas, é perceptível uma inversão valorativa sobre os alimentos: existe uma supervalorização dos alimentos comprados em oposição aos alimentos vindos da natureza. É comum considerar que comprar alimento significa melhorar a qualidade de vida. Porém um hábito que persiste, e é muito significativo, é a troca entre famílias de alimentos que elas mesmas produzem, colhem ou de alguma forma conseguem, como suporte da manutenção das relações. Também vale ressaltar que permanece o hábito de presentear o visitante com frutas ou farinha, e ainda convidar para retornar outro dia e provar um peixe pescado por eles mesmos. É notável que esteja ocorrendo um processo de mudança de hábitos nestas comunidades, porém ainda são preservados valores sociais na forma como as pessoas se relacionam com os alimentos. Aprendizado: Essa pesquisa de campo trouxe muito mais que os questionários preenchidos. Notou-se reflexões importantes relacionadas às práticas alimentares dessa população, evidenciando o caráter determinante da sazonalidade associada à hidrogeografia que regem a dinâmica do modo de vida, e do uso dos benefícios sociais, levando a população a otimizar suas relações tanto com a cidade, quanto com o seu próprio meio rural ribeirinho, inclusive para aquisição dos alimentos, em combinações, às vezes, inesperadas. Análise crítica: A princípio, trabalhar com questionários estruturados com essas populações pode limitar a obtenção de informações valiosas pois oriundas de dados não previstos no instrumento de coleta, apesar do mesmo ter sido bem testado. Isso ressalta a importância de pesquisas qualitativas complementares. Essa visão mais ampla propiciada por conversas informais e observações inespecíficas não deve ser desprezada na análise dos dados, pois possibilita um leque de conhecimentos extenso que contextualizam aquela realidade.
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