29/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-31B - GT 31 - Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional - SSAN e os povos e comunidades tradicionais: concepções e experiências em diálogo com o SISAN |
30018 - ACULTURAÇÃO ALIMENTAR DA POPULAÇÃO INDÍGENA KRENAK, RESPLENDOR-MINAS GERAIS MARIA AUGUSTA CORREA BARROSO MAGNO VIANA - UFPB, CRISTIANE ALVARENGA CHAGAS - UFMG, ALINE ELIZABETH DA SILVA MIRANDA - UFMG, ADRIANO MARÇAL PIMENTA - UFMG, MARK ANTHONY BEINNER - UFMG
A população indígena no Brasil está exposta a alterações ambientais e socioeconômicas, que possibilitam uma situação de alta vulnerabilidade relacionada a problemas de ordem alimentar. Estudos envolvendo povos indígenas revelam uma mudança na composição alimentar caracterizados por aumento na ingestão de produtos industrializados, em detrimento ao consumo de alimentos tradicionais. Isso é muito preocupante, pois inflige o direito humano à alimentação adequada, conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Considerando a importância da realização de estudos que avaliem os hábitos alimentares dessa população o presente trabalho teve como objetivo descrever o perfil do consumo alimentar dos indígenas Krenak com idade ≥ 18 anos. Trata-se de um estudo transversal do tipo censo, realizado nas cinco aldeias localizadas na Terra Indígena Krenak. Os indígenas Krenak, conhecidos como últimos Botocudos do Leste, nome conferido pelos portugueses do século XVIII aos grupos que usavam botoques auriculares e labiais, pertencem ao tronco linguístico macro-jê e estão localizados próximos ao município de Resplendor, Minas Gerais, banhado pelo Rio Doce. Essa população passou por vários processos de mudanças do seu habitat e atualmente sofrem com a poluição do Rio Doce. Após o consentimento da liderança de cada aldeia iniciou-se a coleta de dados face a face, a qual ocorreu entre agosto/2016 a março/2017, sendo utilizados como pontos de apoio a Unidade Básica de Saúde Indígena, as escolas e os centros culturais das respectivas aldeias. Outra estratégia utilizada para a coleta foi à visita domiciliar, realizada para aqueles que não se direcionaram aos pontos de apoio. Ressalta-se que durante todo o processo houve o acompanhamento de um membro da equipe de saúde indígena. Durante o trabalho em campo foram coletados dados sociodemográficos e de hábitos alimentares. Esse último embasado conforme o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para as Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL). Na análise descritiva foram utilizadas frequências absolutas e relativas e medidas de tendência central e de dispersão para as variáveis quantitativas. Foi utilizado o teste Qui-Quadrado para comparar as prevalências do consumo alimentar regular (consumo de 5 ou mais dias da semana) e inadequado (consumo menor que 5 dias da semana) considerando significância estatística de 5%. Para as análises dos dados foi utilizado o software estatístico Stata versão 12. Essa pesquisa seguiu as recomendações do Conselho Nacional de Saúde para pesquisas conduzidas com populações indígenas, sendo aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa (CAAE n° 25406413.90000.5149) e pela Fundação Nacional do Índio (processo n° 08620.07825/2015-86). Todas as pessoas que participaram da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Informado. Esse trabalho resultou na participação de 183 indígenas Krenak, sendo a maioria do sexo feminino (52,5%), com idade entre 30 a 39 anos (39,3). Observou-se um consumo inadequado de frutas (82%), verduras e legumes (70%), introdução de alimento ultraprocessado, refrigerante (63,9) e alimentos com alto teor de gordura: carnes com excesso de gordura (45,9%) e leite com teor integral de gordura (81,4%). Tais achados estão alinhados com o estudo de Rocha, et al., realizado com as etnias Kaingang e Guarani do Rio Grande do Sul, que identificou baixo consumo de vegetais, frutas e legumes e maior consumo de doces, bebidas alcóolicas e refrigerantes. Pode-se inferir a ocorrência da inserção de hábitos alimentares da população urbana, entre os Krenak, sobretudo em relação ao consumo de alimento industrializado. A população estudada sofre com a falta do contato com o Rio Doce, este contaminado devido à tragédia acontecida em Mariana pela empresa Samarco, a qual o contaminou com lama e rejeitos de minério. O Rio Doce era utilizado pelos Krenak para rituais, práticas de pescas, banhos e irrigação de plantação. Os alimentos produzidos foram trocados por alimentos comprados em supermercados. Isso inflige à política pública de promoção de segurança alimentar, ao impossibilitar que os Krenak tenham acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem prejudicar o acesso a outras necessidades fundamentais, tendo como princípio práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam sociais, econômicas e ambientalmente sustentáveis. Espera-se que esse estudo conduza a uma reflexão sobre a importância das mudanças nas escolhas alimentares e a inserção de formas de aquisição de alimentos mais saudáveis aos órgãos direcionados ao cuidado dessa população, assim como os representantes de cada aldeia e a própria comunidade.
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