29/09/2019 - 13:30 - 15:00
EO-35F - GT 35 - Tecnologias Sociais e Outras Ferramentas no Enfrentamento da Vulnerabilidade na Saúde |
29774 - TRABALHO VOLUNTÁRIO: FAZENDO O BEM E CURANDO A ALMA
NÁDIA OLIVEIRA CABRAL - UFPB, NADINE OLIVEIRA CABRAL - UFPB
O voluntariado na sua forma mais pura, onde não se tem interesses pessoais ou segundas intenções, é uma forma maravilhosa de entrega pessoal a qualquer causa, em qualquer situação. A sensação de dever cumprido ao final do trabalho tem um poder imenso de satisfação pessoal, no sentido de se poder observar no próprio semblante a alegria em ter tido a capacidade de contribuir de alguma forma para o bem-estar de alguém. É comum a reunião de pessoas voluntárias de diversas características em relação a classes, raças e crenças, pois o foco principal das ações é a união das forças para obter os resultados, não importando as diferenças em nenhum dos lados da ação voluntaria.
A experiência foi vivenciada nos últimos dois anos, entre os dias 23 a 25 de dezembro, com moradores de rua, em situação de total vulnerabilidade, adultos, masculinos e femininos, que se apresentam em demanda espontânea, em um volume torno de 100 pessoas. A ação é realizada há mais de 25 anos, sendo previamente organizada através de logística de atendimento em forma de circuito, onde o convidado desfruta do melhor que cada equipe pode proporcionar. São oferecidos vários tipos de serviços como: recepção humanizada, identificação e guarda de seus pertences para que possam circular livremente pelas dependências, corte de cabelo, barbearia, recebimento de kit de banho e roupas novas, serviço de manicure e pedicure, consulta médica, atendimento ambulatorial com aferição de pressão arterial e glicemia capilar, acompanhamento nutricional e fisioterapêutico, além de cuidados de enfermagem e principalmente, escuta qualificada, onde o convidado se sente livre para contar suas experiências e despejar suas aflições. Após passar por todos esses serviços, o participante é convidado para um almoço de celebração do Natal, com todos os pratos típicos da época e lanche no meio da tarde, com sorvete e salada de frutas. Eles desfrutam de um dia tranquilo, com sala de TV onde podem assistir um filme, sentar, deitar, e descansar. No final do dia voluntários e convidados participam de um momento de agradecimento coletivo pelo dia. Em seguida, se despedem e recebem de volta seus pertences e um panetone como brinde.
O objetivo deste relato é mostrar o quanto é gratificante, enriquecedor e atemporal participar de ações comunitárias, com intenção clara de angariar ajuda e proporcionar conforto e atenção a pessoas que, por diversos motivos, caíram nas ruas e perderam direitos, identidade e valores familiares, indispensáveis para uma existência digna e humana.
Por se tratar de uma iniciativa de longa data, foi percebido que várias pessoas retornam ao evento e algumas até trazem mais um companheiro das ruas que ainda não participou. Esse dia é aguardado com expectativa por muitos. Para as mulheres, o momento em que hidratam os cabelos é de total relaxamento; muitas se emocionam ao receber um conjunto de roupa íntima nova, um kit de com colar, brincos e pulseira devolvem a auto estima de se verem atraentes, perfumadas, após tomarem um banho num banheiro limpo e preparado especialmente para elas. Os homens passam por corte de cabelos, fazem a barba, e quando se olham no espelho voltam a se reconhecer. De banho tomado, roupas novas, calçado novo, sua envergadura se ergue, dentes escovados lhes devolvem o sorriso. Mas nada se compara ao momento em que se sentam juntos em um banquete preparado com os melhores ingredientes, feito por pessoas capacitadas e empenhadas a dar o melhor de si. Falas como: “É a melhor refeição do ano”, “É o almoço dos deuses”, são ouvidas pelos cantos da casa. E, de barriga cheia, se deitam pelos cantos. Alguns dormem profundamente, sem medo, pois há equipes de apoio com formação especializada cuidando da sua segurança.
A experiência vivida no primeiro ano foi na equipe de apoio feminina que conduzia a convidada ao segundo ponto do circuito que é a equipe dos cabelos. A maioria chega muito maltratada pelas ruas, com uma barreira de comunicação às vezes difícil de quebrar, utilizada como forma de defesa da sua condição marginal. O acolhimento humanitário vai aos poucos quebrando tal barreira e a confiança é estabelecida. Então se entregam aos cuidados e são tratadas como merecedoras de toda atenção e cuidado oferecido. A segunda atuação foi vivida área de enfermagem, onde pude ter mais contato e ouvir suas histórias de forma breve enquanto realiza os procedimentos. O mais impactante foi o relato de um senhor que aguardava essa data do ano para poder visitar sua família, depois de aproveitar o seu dia de Natal, podia se apresentar a eles sóbrio, asseado em vestido, levando um panetone para casa.
Não podemos apenas esperar pelas iniciativas políticas e sim fortificar as iniciativas pessoais, para transformar a sociedade mais humanitária, aprendendo a cuidar do seu próximo com mais atenção e respeito aos desagravos que acontecem com uma pessoa que está mais propícia a cair nas ciladas da vida.
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