30/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-35H - GT 35 - Condições ou Doenças Crônicas e Infecciosas: Repercussões e Enfrentamentos |
31185 - AS VULNERABILIDADES E O CUIDADO DAS PESSOAS VIVENDO COM HIV/AIDS NA ATENÇÃO BÁSICA: SEUS PARADOXOS SANDRA LÚCIA FILGUEIRAS - SES/RJ, EDUARDO ALVES MELO - MELO - ENSP/FIOCRUZ, IVIA MAKSUD - IFF/FIOCRUZ, JORGINETTE DAMIÃO - UERJ, FÁTIMA ROCHA - ENSP/FIOCRUZ, RAFAEL AGOSTINI - IFF/FIOCRUZ, KATIA OVIDIA - IFF/FIOCRUZ, DANIELY SCIAROTTA - IFF/FIOCRUZ, ANA CAROLINA MAIA - MAIA, AC - IMS/UERJ - IMS/UERJ, LUIZA COSENDEY - IFF/FIOCRUZ
Os avanços tecnológicos conquistados no enfrentamento da epidemia de Aids levaram ao aumento da expectativa e qualidade de vida das pessoas vivendo com HIV/Aids (PVHA). No entanto, as condições de vulnerabilidades ainda vivenciadas pelas PVHA constituem importantes barreiras para o controle da epidemia, a melhoria do cuidado e, consequentemente, da qualidade de vida que as tecnologias existentes poderiam lhes proporcionar. Considerando perfis clínicos específicos, em 2014 o Ministério da Saúde recomenda o acompanhamento de PVHA na Atenção Básica (AB) e vem destacando estes serviços como ponto estratégico de atenção para o cuidado integral destas pessoas. O objetivo deste trabalho é analisar a inter-relação entre as vulnerabilidades vivenciadas pelas PVHA e as práticas de saúde na AB.
Os resultados aqui apresentados referem-se a um recorte da Pesquisa “O cuidado às pessoas com HIV/AIDS na rede de atenção à saúde”, realizada no município do Rio de Janeiro, entre 2018 e 2019, em um Serviço de Atenção Especializada para HIV/Aids e em duas unidades de Atenção Básica. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, adotando referenciais teórico-metodológicos do campo das ciências da saúde, sociais e humanas, combinando diferentes métodos e técnicas, tais como estudo de caso, observação participante, entrevistas semiestruturadas e em profundidade com profissionais, usuários, representantes de movimentos sociais e gestores e grupos focais com agentes comunitários de saúde. Os achados apresentados neste trabalho são referentes à uma clínica da família.
Entre os principais resultados destaca-se o entrecruzamento de vulnerabilidades em territórios marcados pela pobreza, violência e dominados pelo tráfico de drogas. O estigma e discriminação, barreiras históricas no campo da aids, se mantém presentes, dificultando o cuidado e a promoção à saúde. A violência armada limita fortemente o acesso ao diagnóstico e tratamento das PVHA, ameaçando os indivíduos soropositivos de expulsão do seu local de moradia, mesmo 30 anos depois do surgimento da epidemia. Muitos jovens que trabalham para o tráfico de drogas encontram-se extremamente vulneráveis e interditados em seus direitos de cuidado em saúde. A violência de gênero marca fortemente a vida das mulheres, expressa na dificuldade de revelação do diagnóstico e da adesão ao tratamento pela ameaça que os seus parceiros representam. Não menos importantes são os dilemas éticos vivenciados pelos profissionais de saúde, tolhidos em acessar parceiros sexuais para testagem e tratamento. Os preconceitos persistentes em relação à orientação e identidade sexuais atravessam a dinâmica do cuidado, impedindo o exercício da sexualidade como direito e a gestão de riscos dos sujeitos. Destacamos ainda desafios impostos no cuidado das PVHA em situação de rua que já são desrespeitadas cotidianamente por sua condição de vida e que trazem como característica a transitoriedade no território indo de encontro a lógica da territorialidade estabelecida na AB. Isto impõe uma revisão das rotinas estabelecidas nos serviços de saúde e convoca o fortalecimento de diferentes articulações intersetoriais e intrasetoriais para o desenvolvimento do cuidado.
Concluímos que a configuração do trabalho da AB centrada no território e na proximidade da vida das pessoas sugere um paradoxo à medida que contribui para a construção de vínculos e identificação de necessidades, ao mesmo tempo em que pode ser uma ameaça relacionada à quebra de sigilo ainda reivindicado por PVHA. A potência do trabalho em equipe é fragilizada diante dos “pactos de segredo” do diagnóstico que tomam como premissa a exclusão dos agentes comunitários de saúde. O estigma da doença ainda gera muito sofrimento e compromete a qualidade do cuidado. E, evidencia a lacuna entre os gigantescos avanços tecnológicos e a carência de mudanças estruturais em que pese a redução de violação de direitos em tempos recentes. Apesar dos retrocessos atuais do ponto de vista da garantia de direitos, encontramos iniciativas de gestões locais recomendando que as PVHA possam escolher a unidade de saúde onde realizarão seu acompanhamento no âmbito da AB. Assim, buscam salvaguardar o direito ao sigilo e a confidencialidade, desatando os nós impostos pela lógica de território, apenas físico, muitas vezes adotado na organização destes serviços. Considerar as necessidades dos sujeitos é um imperativo ético do cuidado em saúde. Repensar a reorganização dos serviços, dos processos de trabalho e as práticas de saúde numa perspectiva dos Direitos Humanos é vital, pois “se queremos melhorar o funcionamento do sistema de saúde de nossos países para garantir direitos, devemos começar por entender aquilo que somos, como resultado de processos sociais, culturais e políticos” (Bachelet, M., 2018).
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