28/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-35C - GT 35 - Vulnerabilidade Infanto-Juvenil: Configurações e Enfrentamentos |
30557 - PERDA DENTÁRIA PRECOCE EM CRIANÇAS: NARRATIVAS SOBRE VULNERABILIDADES DE UM CORPO MARCADO FERNANDO VALENTIM BITENCOURT - UFRGS, JONAS DE ALMEIDA RODRIGUES - UFRGS, RAMONA FERNANDA CERIOTTI TOASSI - UFRGS
Introdução: A perda dentária é um problema de saúde pública que pode afetar a qualidade de vida das pessoas, trazendo um contexto de vulnerabilidades expresso por impactos físicos e/ou psicossociais. Apesar da relevância científica e clínica do tema, o fenômeno da perda dentária precoce, em crianças, tem sido pouco abordado na literatura.
Objetivo: Compreender o significado da experiência da perda precoce de dentes decíduos na vida de crianças, a partir da percepção de seus cuidadores.
Metodologia: A pesquisa buscou fundamentos nos preceitos metodológicos da pesquisa qualitativa, caracterizando-se como um estudo de caso. A perspectiva teórico-metodológica seguiu o enfoque da fenomenologia, centrada na experiência vivenciada da perda dentária decídua precoce enquanto expressão histórico-cultural de um grupo social. Os participantes foram cuidadores de crianças que foram atendidas no serviço de Odontologia de uma Universidade pública do Sul do Brasil (mãe, pai ou cuidador responsável que estava acompanhando a criança no momento da consulta odontológica). As crianças deveriam ter até 12 anos e apresentarem perda precoce de pelo menos um dente decíduo. A perda dentária foi identificada por meio da análise dos prontuários odontológicos (critérios de análise: registro da ausência dentária e o exame radiográfico). A partir dessa identificação, entrevistas individuais foram realizadas com o cuidador principal das crianças, seguindo um roteiro semiestruturado. As entrevistas foram realizadas por um único pesquisador, com experiência em pesquisa qualitativa, gravadas em equipamento de áudio e posteriormente transcritas. A amostra foi intencional por saturação. O encerramento das entrevistas foi determinado pelo critério da saturação e pela densidade do material produzido. O material textual foi interpretado por meio da análise de conteúdo proposta por Bardin (categorias emergentes), sendo apoiada pelo software ATLAS.ti (Visual Qualitative Data Analysis). O estudo teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade (Parecer 1.652.310).
Resultados: Participaram das entrevistas 55 cuidadores de crianças que acessaram o serviço odontológico na Universidade em estudo e que estavam em tratamento. Cuidadores eram, em sua maioria, mulheres, mães, adultas jovens, cujas crianças tiveram experiências de perda dentária precoce de pelo menos um elemento dentário, com idade entre 5 a 10 anos. Essa perda precoce dos dentes esteve relacionada principalmente com a doença cárie. As categorias emergentes da análise do material textual produzido a partir das entrevistas trataram do significado da perda dentária precoce para a vida das crianças; das marcas de uma experiência que extrapola um corpo e afeta famílias; do desafio da integralidade do cuidado à saúde bucal em um corpo marcado pela perda de dentes. Os resultados mostraram que nesse grupo social as experiências da perda dentária precoce foram marcadas por vulnerabilidades expressas em limitações na mastigação, fala, aparência e convívio social com outras crianças. Tais problemas não apareceram de modo isolado, mas sim associados, afetando a vida das crianças e de suas famílias. O fato da criança não ter dentes trouxe ao seu corpo uma marca possível de gerar situações estigmatizantes para essa criança. Quando a perda dentária foi associada à dentes cariados que provocavam dor e sofrimento, os cuidadores a perceberam como um evento ‘normal’, já que os dentes permanentes ocupariam o espaço dos ‘dentes de leite’ perdidos, que trouxe alívio para a vida das crianças e suas famílias. Os cuidadores destacam o desafio da integralidade do cuidado em saúde bucal pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e a necessidade de buscar por tratamentos em serviços universitários e/ou em serviços privados.
Conclusões: O fenômeno da perda dentária estudado em crianças, a partir de uma perspectiva qualitativa, pode orientar os profissionais da saúde bucal no manejo desse grupo, permitindo a compreensão do significado da boca e da perda de dentes na qualidade de vida em crianças. São pesquisas com potencial para qualificar tanto práticas de cuidado quanto de ensino na saúde. A rede de cuidados de saúde bucal no SUS, para crianças, precisa ser ampliada, refinada e consolidada.
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