28/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-35C - GT 35 - Vulnerabilidade Infanto-Juvenil: Configurações e Enfrentamentos |
31090 - UMA ADOLESCENTE EM PRIVAÇÃO DE LIBERDADE E SUA RELAÇÃO COM A PALAVRA PATRICIA MASCARENHAS FERNANDES - INSTITUTO VIVA INFÂNCIA, LENY A. BOMFIM TRAD - FASA/ISC/UFBA
UMA ADOLESCENTE EM PRIVAÇÃO DE LIBERDADE E SUA RELAÇÃO COM A PALAVRA
Este relato visa, em um primeiro momento, socializar princípios, práticas e modos de funcionamento do dispositivo denominado “Ambulatório do bebê”, implantado há quatro anos, que constitui um dos eixos de trabalho do Instituto Viva Infância, Organização do terceiro setor, cuja missão é “promover a cultura e a saúde da criança em sofrimento”. Em seguida, pretende-se destacar um caso singular atendido durante quase 2 anos pelo ambulatório que se confrontou com a questão do direito materno ao cuidado por parte de uma mãe em situação de privação de liberdade.
O ambulatório é conduzido por um grupo interdisciplinar que tem como diretriz a promoção da saúde integral de bebês e seus cuidadores e eixo transversal a compreensão de que o sujeito se constitui na relação com o Outro. O atendimento prestado a bebês, crianças e suas famílias em qualquer situação de sofrimento é gratuito. Nosso público vem de bairros diversos de Salvador, Bahia, e região metropolitana e encontra-se em diferentes níveis de vulnerabilidade social e psíquica. Tal configuração acarreta numa importante transferência com a instituição, por ser um local de acolhimento e respeito às histórias apresentadas, sua grande maioria é de pessoas autodeclaradas negras e de baixa renda. Estamos localizados na Boca do Rio, um dos bairros mais populosos de Salvador com mais de 80% de pessoas negras.
O que caracteriza o trabalho do Ambulatório é o atendimento em conjunto cuidador e bebê além de profissionais de áreas distintas, de acordo com a particularidade do caso. Esse trabalho vem ampliando nosso olhar para o atendimento em conjunto do bebê com seu cuidador principal e através da clínica da ética do cuidado nos faz ter o compromisso com o outro, nos expor a ele.
Os encaminhamentos dos bebês vêm por diversas vias, a principal delas são as maternidades, porém, podem existir outras formas de encaminhamento, como é o caso desta experiência, foco deste trabalho. Recebemos da FUNDAC -Fundação da Criança e do Adolescente uma jovem de 15 anos em privação de liberdade com sua bebê de 5 meses, que residia na zona rural de um município a 800 km, aproximadamente, de Salvador. Antes de recebê-la, a psicóloga da CASE – Comunidade de atendimento sócioeducativo, antecipa o caso dizendo que é de alta complexidade em que a jovem cometeu ato infracional grave.
O processo psicoterapêutico e a construção da transferência se deram de forma gradual e cuidadosa. Na perspectiva da primeira autora, que é psicanalista e foi responsável pelo atendimento, uma das premissas foi se despir de qualquer valor moral ou olhar patologizante, a direção do trabalho foi na escuta do sujeito e na relação mãe e bebê além de assegurá-la que naquele espaço ela podia falar o que quisesse que o sigilo seria garantido. O atendimento acontecia uma vez por semana, a FUNDAC garantia sua ida na companhia de uma sócio-educadora que fazia a vistoria da sala antes dos atendimentos.
O processo terapêutico garantiu a paciente e sua filha um espaço de escuta e fortalecimento do laço mãe e bebê, com o qual ela pôde construir sua maternidade sem contar com referência materna e com as adversidades de um ambiente com tantas restrições. Após o caso encerrado, por ela ter recebido a Liberdade Assistida, foi possível fazer uma reflexão quanto ao percurso traçado por uma mãe adolescente. Seus relatos faziam referência ao fantasma de morte que a acompanhou em todo período em que esteve em privação de liberdade ou, ainda, sobre como foi viver esse período “se achando um monstro”, referindo-se ao ato infracional. Como ela transformou a dor, o medo em palavras, não só no espaço terapêutico como na produção de poesia. Era uma paciente que se questionava, inclusive, como seria se ela não tivesse um acompanhamento psicoterapêutico, fazia leituras a respeito da relação dela com a filha, que apresentava uma saúde psíquica que chamava a atenção, além de se destacar como melhor aluna da CASE.
A partir dessa experiência particular, tivemos uma conquista coletiva importante: a FUNDAC estabeleceu que nenhuma adolescente será separada do seu filho. Consideramos um avanço, embora não esteja em forma de lei, por acompanhar o impacto na relação mãe bebê do risco de separação.
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