30/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-35I - GT 35 - Migrantes, Refugiados, População de Rua e Outros Grupos Vulneráveis |
30029 - DIREITO HUMANO À SAÚDE EM UM ASSENTAMENTO DO MST: VULNERABILIZAÇÕES E ENFRENTAMENTO MEDIANTE UMA SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL DO CUIDADO JULIANA AURORA DE OLIVEIRA LOPES - INSTITUTO RENÉ RACHOU - FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ (IRR/FIOCRUZ), PRISCILA NEVES SILVA - INSTITUTO RENÉ RACHOU - FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ (IRR/FIOCRUZ), LÉO HELLER - INSTITUTO RENÉ RACHOU - FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ (IRR/FIOCRUZ)
A Constituição brasileira prevê a garantia ao direito fundamental à saúde por meio de políticas e programas que assegurem a universalidade, equidade e integralidade das ações. Contudo, muitas vezes os assentamentos rurais refletem uma realidade distinta, cuja negligência por parte dos órgãos públicos pode acarretar em formas de inequidade sociossanitária. Em setembro de 2017, durante uma inserção a campo para verificação das condições de acesso à água e esgotamento sanitário em um dos assentamentos do MST na região do Vale Doce, foram identificadas questões relacionadas ao acesso aos serviços de saúde dessa comunidade, composta por 43 famílias. Como estar sensível às questões que se apresentam em campo é uma característica fundamental da pesquisa qualitativa, sobretudo no campo da Saúde Coletiva, procuramos realizar um estudo de caso com as situações apresentadas. Dessa forma, visamos tecer breves reflexões sobre as condições de (não) acesso ao direito humano à saúde a partir dos relatos das situações vividas pela comunidade do assentamento rural Ulisses de Oliveira, na região do Rio Doce, Minas Gerais. Os discursos foram coletados por meio de entrevista semiestruturada e observação, cujos dados foram registrados em cadernos de campo durante a imersão no assentamento. Para realizar as análises, foram utilizados os parâmetros disponibilidade e acessibilidade física e financeira, relacionados ao referencial do direito humano à saúde (Human Rights-Based Approach), e preceitos epistemológicos que se apoiam na hermenêutica-dialética. Foi identificado que o assentamento não possuía serviço de atendimento da Equipe de Saúde da Família (ESF) àquela época. Anteriormente, contavam com a visita semanal de uma equipe de saúde composta por médico e técnica de enfermagem, mas que não ocorria mais. Para ter acesso às consultas, os pacientes se dirigiam para o Centro de Saúde na cidade mais próxima, Jampruca, mas se queixaram da ausência de médicos também lá. Para ir até o município, os assentados contavam com transporte público uma vez na semana. Os assentados procuravam promover medidas para autonomia em saúde e utilização de práticas tradicionais no território, referentes ao cultivo e manejo de plantas medicinais, benzições e preparações para o manejo de condições crônicas, como hipertensão. As práticas relacionadas à agroecologia, lideradas pela organização das mulheres do assentamento, auxiliavam como meio para a educação e cuidado em saúde. Contudo, a seca no local e dificuldades de acesso à água potável prejudicava a manutenção das hortas. Os casos de urgência e emergência permaneciam sem assistência devida. Além da indisponibilidade de atendimento, havia o comprometimento da acessibilidade física até um serviço de saúde. Os moradores do assentamento também não possuíam condições financeiras de se deslocarem para até a unidade de saúde com seus próprios recursos. Foram relatadas situações como de uma gestante que deu à luz pelo caminho para a cidade em uma carroça, tentando buscar atendimento médico, e de uma paciente que, sem alternativas, foi colocada na porta da casa do prefeito para que este se encarregasse do transporte para a Unidade de Pronto Atendimento em Governador Valadares, a 46 km de distância. Essas circunstâncias apontam para a falta de gestão governamental adequada da assistência nos três níveis de atenção à saúde e de ações eficazes de acompanhamento por parte do Incra. As implicações da negligência indicam as violências e invisibilidades que incidem nos direitos dessa comunidade, sobretudo por se tratarem das especificidades da saúde no campo e de um contexto político e histórico de reterritorialização do local através da luta pela Reforma Agrária e pela soberania alimentar. Assim, o status da indisponibilidade e ausência de acessibilidade produziram uma segregação socioespacial do cuidado à saúde dessas pessoas e incorporam, nesse caso, outros condicionantes que contrariam os princípios dos direitos humanos, como os de não discriminação, equidade, participação e responsabilização por políticas públicas. Como consequência, a comunidade encontra-se à própria sorte, sem a perspectiva de medidas de prevenção e contenção de agravos, tampouco de políticas específicas. Ainda que a comunidade apresente formas de enfrentamento com a tentativa de realização de práticas tradicionais, não se pode excluir o compromisso do Estado brasileiro com a seguridade social para a disponibilização e gestão dos recursos necessários, como a realização de medidas e políticas públicas para a disponibilidade dos serviços de saúde. O mapeamento das condições de acesso ao direito à saúde é urgente, a começar pela identificação das demandas e intervenções necessárias dos órgãos de gestão, de forma participativa e atendendo às demandas específicas da comunidade. Assim, na luta pelos direitos fundamentais mínimos dessas famílias, podem-se minimizar alguns dos condicionantes de vulnerabilização observados.
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