28/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-35A - GT 35 - Políticas Públicas, Serviços e Vulnerabilidade: Ações e Desafios |
30913 - SABERES E PRÁTICAS DE AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE SOBRE A VIOLÊNCIA URBANA NO TERRITÓRIO E AS REPERCUSSÕES NO TRABALHO E NA SAÚDE CIBELLY MELO FERREIRA - SECRETARIA MUNICIPAL DA SAUDE DE FORTALEZA/FIOCRUZ-CE, VANIRA MATOS PESSOA - FIOCRUZ-CE, SHARMENIA DE ARAÚJO SOARES NUTO - UNIFOR/FIOCRUZ-CE
Os reflexos da violência comunitária no Brasil sobre o exercício da profissão do Agente Comunitário de Saúde (ACS), assim como as repercussões da exposição continuada, tais como ouvir, escutar ou testemunhar diversas situações de violência, apresenta-se como uma realidade que merece ser melhor estudada. O presente estudo teve como objetivo analisar os saberes e práticas dos ACS sobre a violência urbana e as repercussões sobre seu trabalho e sua saúde. Desta forma, pretendeu-se conhecer a realidade vivenciada pelo ACS residente em território de alta vulnerabilidade e violência urbana, compreender como a violência urbana interfere no trabalho e na saúde dos ACS, assim como identificar as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos ACS durante seu trabalho em uma Unidade de Atenção Primária do município de Fortaleza. O percurso metodológico adotado foi o de um estudo transversal descritivo de caráter exploratório, com abordagem qualitativa em que foram entrevistados 12 ACS através de um roteiro de investigações e registros em diário de campo. As falas dos entrevistados foram gravadas, transcritas e analisadas através do método de interpretação dos sentidos. Os temas empíricos foram agrupados em quatro Categorias: Comunidade; Violência no território; Consequências da violência sobre a saúde dos ACS e Estratégias de enfrentamento à violência usadas pelos ACS. Verificou-se que todas as áreas adstritas à unidade de saúde são comandadas por alguma facção criminosa. Este comando não é homogêneo em todo o território, resultando em muitos conflitos, sendo identificadas diferenças nas falas e na relação com a violência em função das disputas ou não nos comandos das facções no território de cada ACS. A violência criminal se dá de forma bem acentuada na comunidade. Em áreas com domínio de uma única facção, os relatos de violência são mais amenos que nas áreas onde existe a disputa. Nestes casos, percebe-se a presença mais forte da violência. Em um território marcado pela violência criminal, poucos ACS relatam não se sentirem afetados pela mesma. Ficou evidente a vontade da maioria em mudar de moradia para um local menos violento. Os ACS relatam que tanto sofrem alguns tipos de violência no trabalho, tais como assédio sexual e violência verbal, como também presenciam situações como homicídios, pessoas andando armadas pela comunidade, brigas, entre outras. Os conflitos entre facções acabam afetando inclusive pessoas que não possuem envolvimento com as drogas. Nas áreas dominadas por apenas uma facção, os chefes geralmente são pessoas da comunidade, conhecidos dos ACS. Devido a essa proximidade e por se conhecerem há bastante tempo, os ACS sentem uma maior sensação de segurança. Nas áreas de conflitos, os traficantes são pessoas vindas de fora, que não conhecem e não possuem vínculo com os moradores. Diante disso, a sensação de proteção é substituída pelo medo e pela insegurança. A presença da polícia também causa desconforto, pois os traficantes podem suspeitar que foram denunciados pelos moradores ou ACS. Neste caso, eles podem sofrer ameaças por parte dos criminosos para saber quem foi o autor da denúncia. Diante do exposto, os ACS relatam que o acesso as informações privilegiadas faz com que os tenham ainda mais medo da polícia e que procuram afastar-se dela, distanciando-se da instituição que deveria oferecer proteção aos cidadãos. A maioria dos ACS expressa um grande sofrimento causado pela violência, que traz como uma das consequências o afastamento dos ACS de suas atividades laborais. O adoecimento dos ACS pode ser decorrente do medo constante, das preocupações familiares, de não conseguir dormir de forma adequada, da sensação de impotência diante das necessidades das pessoas e pode ser traduzido em sintomas físicos e emocionais. Dentre as formas de adoecimento encontram-se pânico, depressão, ansiedade, insônia, alcoolismo, hipertensão, psoríase, fibromialgia, lúpus, dentre outros. Ser cego, surdo e mudo foi a principal estratégia para enfrentamento da violência identificada para manutenção da integridade física do ACS. Outras estratégias identificadas foram manter amizades com todos, evitar exposições desnecessárias, usar fardamento, não entrar sozinho em casas suspeitas, evitar a polícia, suspender as atividades em momentos de conflito. Situações vivenciadas dialogam com questões macrossociais, sendo observadas em diversas regiões, cidades e países. A identificação e a análise destes problemas podem auxiliar o processo de tomada de decisão e o estabelecimento de práticas de cuidado ao ACS, auxiliando na preparação e atuação desses trabalhadores frente a estes desafios cotidianos dos serviços de saúde nas áreas que apresentam violência estrutural.
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