29/09/2019 - 15:00 - 16:30 AL5 - GT Ampliando Linguagens - Desafios das Lutas e Movimentos Sociais em Saúde em Contextos de Invisibilidades |
31138 - O DOCUMENTÁRIO FIO DA MEADA COMO ESTRATÉGIA DE VISIBILIDADE DAS LUTAS E DOS CONHECIMENTOS ALTERNATIVOS FRENTE AOS CONFLITOS SOCIO-ECOLÓGICOS SILVIO TENDLER - CALIBAN PRODUÇÕES CINEMATOGRÁFICAS, MARINA TARNOWSKI FASANELLO - NEEPES/ENSP/FIOCRUZ, MARCELO FIRPO PORTO - NEEPES/ENSP/FIOCRUZ
Esta reflexão nasce inspirada na produção do documentário Fio da Meada e sua relação com o Núcleo Ecologias, Epistemologias e Promoção Emancipatória da Saúde, Neepes/Fiocruz. O filme foi produzido entre 2015 e 2018, dirigido pelo 1º autor (Silvio Tendler), tendo por co-roteiristas os outros dois co-autores desse trabalho, que são pesquisadores do núcleo. A ideia do trabalho é apresentar um trecho de 9 minutos do documentário para se discutir como sua realização se coaduna com a proposta do núcleo.
Silvio Tendler possui pós-graduação em Cinema na Sorbonne. É diretor, editor e roteirista da Caliban Produções Cinematográficas, e professor da PUC/RJ. Já dirigiu mais de 70 documentários, além de 12 séries.
O Neepes foi criado em 2018 e tem por objetivos desenvolver conhecimentos interdisciplinares, metodologias colaborativas e diálogos interculturais por meio de diversas linguagens (científicas, artísticas e populares). Os conhecimentos e narrativas construídos visam apoiar lutas sociais por saúde, dignidade e direitos territoriais das populações excluídas das cidades, campos, florestas e águas a partir dos referenciais da saúde coletiva, da ecologia política e das epistemologias do Sul. Também apoiamo-nos numa abordagem teórico-poética de investigação para pensar metodologias co-labor-ativas e narrativas sensíveis.
Estas construções envolvem quatro estratégias: (i) a estratégia de um corazonar, uma expressão desenvolvida por povos andinos, na busca de superar o pensamento excessivamente lógico ocidental, integrando o sentir ao pensar, o coração a razão, os seres humanos entre si e estes a natureza; (ii) uma “ecologia de saberes”, com possíveis encontros e diálogos entre pessoas e grupos sociais com seus saberes, culturas e formas de viver com dignidade, buscando integrar ciência com a sabedoria, uma sabedoria que é fruto dos conhecimentos práticos e da alma. (iii) uma artesania das práticas, que compreende a produção de saberes enquanto um trabalho artesanal, uma obra adequada ao tempo, lugar, pessoas e comunidades. Trata-se de um caminhar que é (re)elaborado diante dos percursos; (iv) por fim, a ideia do tornar comum, que retomar origem da palavra comunicação. O que nos torna comuns, onde estão os bens comuns das comunidades e da humanidade? Aquilo que é de todos e de cada um, como recuperá-los?
O Fio da Meada tem como objetivo o enfrentamento de discursos hegemônicos e disseminados pela grande mídia, aborda múltiplos objetivos das lutas social através de denúncias e discursos políticos criados social e artisticamente, habilitados, e com uma postura ética durante o seu processo de produção. Retrata novos espaços e experimentação dos saberes desprezados, expressos na proposição de uma sociologia das ausências, que opera sobre as invisibilidades decorrentes da dominação colonial, eurocêntrica e capitalista do Norte Global. Como contraponto, sugerimos uma sociologia das emergências, que se propõe a imprimir visibilidade a saberes que indiquem possibilidade de transição paradigmática, provenientes principalmente do Sul Global.
Para isto, no documentário apostamos em três fios que se entrecruzam no presente para preparar solos férteis de outros futuros. O primeiro fio é o retorno do território, das terras, águas e populações; o segundo fio é o alimento. Nós temos fome de quê? O alimento nos fala de quem somos, dos ciclos da vida, de como nos respeitamos e à natureza; e o terceiro fio são os conhecimentos que fornecem sentido à existência humana e podem ser articulados por uma ecologia de saberes. Como construir uma nova forma de viver que mescle e atualize saberes ancestrais com as conquistas da ciência e da tecnologia, que sirvam à humanidade e não destruam o planeta?
Queremos pensar como as estratégias políticas e as expressões artísticas se cruzam dentro da luta social. Em termos das epistemologias do Sul, a sociologia das ausências busca compreender estes processos sociais de silenciamento. Mas, há também aqui uma conexão com a sociologia das emergências, na medida em que os experimentos sociais que apontam para alternativas pós-abissais são também silenciados. As ausências antecedem as emergências, porque somente podem emergir novos mundos possíveis se os sujeitos, seus direitos e saberes são reconhecidos, rompendo-se os processos de negação e ocultação de suas existências. O filme incorpora todas essas dimensões a partir da articulação entre linguagens científicas e artísticas.
Concluímos então que a construção de novas epistemologias implica o resgate das narrativas, da sabedoria e da arte como elementos constituintes do processo investigativo e da produção de saberes. Uma abordagem ‘teórico-poética’ permite uma junção entre análise intelectual crítica e percepção afetiva poética que cria melhores condições de produzir conhecimentos, outras formas de pensar e agir justamente porque a presença da narrativa traz vivas as questões do presente para construir possibilidades do que poderá vir a ser o futuro.
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