30/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-8I - GT 8 - Acolhimento, Periferia e Integralidade |
30230 - “MEU SONHO É TER PRA ONDE IR, SER BEM ACOLHIDO E SABER O QUE ME ESPERA LÁ”: INTEGRALIDADE, RACISMO E O OLHAR DAS PESSOAS COM DOENÇA FALCIFORME. TAIA CAROLINE NASCIMENTO FERNANDES - UFBA, CLARICE SANTOS MOTA - UFBA, YEIMI ALEXANDRA ALZATE LÓPEZ - UFBA, JOÃO BATISTA DE BRITO BRAGA ALVES - UNEB
Introdução: As pessoas que convivem com a doença falciforme (DF), condição genética e hereditária mais comum no Brasil e no mundo, apresentam um processo saúde-doença-cuidado atravessado por um contexto histórico-social complexo. O reconhecimento desta complexidade e das necessidades de saúde é representado pelo princípio da integralidade, demonstrando que o direito à saúde no Brasil não está restrito a uma “cesta-básica” de serviços. O racismo é um dos principais determinantes que afetam a produção da integralidade do cuidado à essa população. Em resposta à pressão das organizações de pessoas com DF, Salvador implantou o primeiro ambulatório especializado sob gestão municipal, através do Programa de Atenção às Pessoas com Doença Falciforme (PAPDF). Este estudo justifica-se pelo tempo de existência desse serviço e a relativa escassez de trabalhos, com abordagem qualitativa, que apresentem a perspectiva das/os usuárias/os sobre o contexto da atenção ambulatorial. Objetivo: Analisar a percepção das/os usuárias/os sobre as experiências de integralidade no ambulatório especializado em doença falciforme e hepatites virais do Multicentro de Saúde Carlos Gomes, em Salvador/Bahia, identificando aspectos relacionados as dimensões focalizada e ampliada. Metodologia: Trata-se de um estudo de caso realizado no referido serviço. Utilizou-se as técnicas de observação participante, entrevistas individuais semiestruturadas e análise documental para obtenção dos dados. Participaram do estudo pessoas com diagnóstico confirmado de DF, idade mínima de 18 anos e cadastradas no ambulatório. As entrevistas foram gravadas, transcritas e a análise foi realizada com base na análise de conteúdo do tipo temático, resultando em duas categorias: 1) Integralidade ampliada: percepções das pessoas com DF sobre as articulações do ambulatório com a Rede de Atenção à Saúde (RAS); 2) Um encontro (a)efetivo?: percepções das pessoas com DF sobre a integralidade focalizada no espaço do ambulatório. Todos os preceitos éticos envolvendo pesquisas com seres humanos foram respeitados. Resultados e Discussão: Foram entrevistadas nove pessoas com DF, cinco mulheres e quatro homens, entre 24 e 40 anos. Os encaminhamentos para o ambulatório ocorreram através da atenção básica (AB), maternidade de referência para gestantes com DF e hemocentro. Considerando a dimensão focalizada da integralidade, sobre o cuidado ofertado pela equipe do ambulatório, a maioria referiu perceber mudanças desde que foi cadastrado no serviço, a exemplo do aumento de informações sobre a enfermidade e o acompanhamento regular pela equipe multidisciplinar. Identificou-se, que coexistem práticas mais próximas de uma atuação pautada na integralidade e outras que reproduzem uma lógica fragmentada. A partir da dimensão ampliada, sobre a relação com os outros pontos da RAS, a maioria das/os participantes referiu não frequentar a AB com regularidade e não recordaram situações de comunicação entre estes níveis de atenção. Expressaram a necessidade do uso de serviços privados para realização de exames e outras consultas especializadas não ofertadas no ambulatório. Todas/os informaram não usar exclusivamente o SUS. Na articulação com a rede de urgência e emergência foi mencionada a presença do hematologista em alguns serviços, entretanto, foi apontada a grave ausência de uma retaguarda hospitalar em Salvador e a desinformação sobre o manejo de eventos agudos. Neste âmbito da rede, frequentemente, os profissionais são inseguros, sem preparo para ofertar atenção humanizada à pessoa com a DF e seus familiares. A impossibilidade de encontrar espaços de acolhimento adequados para as situações de crise produz uma experiência de desamparo que se soma à tão difícil realidade colocada pela vivência com a DF. O racismo estrutural e institucional pode ser entendido como um dos principais determinantes que atravessa esse processo. Ao mesmo tempo, a percepção das pessoas indicou que a iniciativa do PAPDF representou um importante marco no processo de descentralização e avanço da qualidade do cuidado ofertado na atenção ambulatorial. Destaca-se que mudanças na gestão do programa e a terceirização do ambulatório impactaram de forma negativa nas possibilidades de as trabalhadoras do serviço desenvolverem práticas pautadas na integralidade e afetaram a capacidade de comunicação e articulação com os outros pontos da RAS. Considerações Finais: Este trabalho conclui que o conceito de integralidade deve assimilar uma análise sobre as relações raciais e os efeitos do racismo na saúde, com vistas a ampliar a compreensão do processo saúde-doença-cuidado das pessoas com DF. Considera-se que não se trata apenas de ofertar serviços específicos e sim de superar as barreiras colocadas pelo racismo institucional para a população negra no acesso e na sua especificidade, recolocando o sujeito como centro do cuidado.
|