29/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-8E - GT 8 - Processo de Trabalho, Saberes e Praticas na Saúde |
30147 - SENTIDOS DO CUIDADO EM ENFERMAGEM: UM ESTUDO DE CASO NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO LILIAN MIRANDA - ENSP/FIOCRUZ, THAÍS DE ALMEIDA BRASIL - ENSP/FIOCRUZ
Introdução: Desde a década de 1990, estudos sobre subjetividade dos trabalhadores de saúde e usuários vêm sendo valorizados no campo da Saúde Coletiva. Essa valorização se reflete na formulação das políticas públicas de saúde, que oferecem importante espaço para os elementos intersubjetivos do cuidado, tais como qualidade e a integralidade da assistência, trabalho em equipe, vínculo, responsabilização compartilhada, acolhimento, construção de autonomia, entre outros. O cuidado pode ser entendido como um tipo de prática que se materializa no encontro intersubjetivo entre profissional e usuário, perpassado por aspectos técnicos e afetivos. Tal encontro, bem como as possibilidades do cuidado dele derivadas, têm especificidades no contexto da Atenção Básica do município do Rio de Janeiro/RJ, cuja gestão do trabalho se pauta, predominantemente, por uma lógica produtivista. Lógica a partir da qual a relação entre profissionais e usuários é atravessada pelas necessidades em saúde, saber-fazer dos trabalhadores, mas também por pressão por eficiência e precariedades nas condições do trabalho. O cuidado possível nesse cenário pode ser bem compreendido a partir da perspectiva dos enfermeiros, profissionais responsáveis pela organização e execução de grande parte do trabalho na Atenção Básica. Objetivo: Compreender os sentidos do cuidado em enfermagem na Estratégia Saúde da Família (ESF) carioca. Metodologia: Estudo de caso com abordagem qualitativa, cujas estratégias foram observação participante e entrevistas em profundidade junto a cinco enfermeiros, desenvolvidas numa unidade com ESF, no período de maio a setembro de 2018. O material foi interpretado a partir da inspiração hermenêutica gadameriana e a discussão sobre cuidado desenvolvida por autores da Saúde Coletiva. Resultados e Discussão: Os enfermeiros mostraram valorizar a intersubjetividade própria ao encontro entre profissional de saúde e usuário. Procuram exercer um cuidado por eles denominados de integral, que não reduz o usuário às suas queixas clínicas e, tampouco, centraliza condutas profissionais a prescrições medicamentosas ou intervenções técnicas. Entretanto, também remetem o cuidado a tudo aquilo que fazem em seu cotidiano, algo indiferenciado e de difícil avaliação. Além disso, observamos na rotina dos enfermeiros o cuidado como uma “tarefa técnica” que, permeada por intensa pressão de demanda e exigência de produtividade, prioriza o cumprimento de protocolos e a prescrição de medicamentos ou comportamentos (como hábitos alimentares e prática de exercícios físicos), com reduzida abertura às singularidades socioculturais, econômicas e (inter)subjetivas dos usuários. Por fim, ainda que mais pontualmente, o cuidado também foi associado como algo que pode ser consumido, ou que pode oferecer um benefício objetivo ao usuário, como mais uma mercadoria do mundo capitalista. Considerando tais sentidos, compreendemos que os desafios para o cuidado em enfermagem também dizem respeito às configurações socioculturais e econômicas da contemporaneidade. A pressão produtivista exige aceleração do exercício das práticas de cuidado, o que pode prejudicar a qualidade do encontro intersubjetivo entre profissional e usuário. Ao mesmo tempo, a cultura individualista induz processos de responsabilizações individuais pelas dificuldades, em detrimento do reconhecimento dos problemas estruturais e da mobilização coletiva para enfrentá-los. No entanto, mesmo com certa precariedade das condições de trabalho e da imposição de ritmo produtivo acelerado, observamos que os enfermeiros foram capazes, em muitos momentos, de desenvolver um cuidado sustentado pelo respeito à singularidade do outro e pela possibilidade de trocas intersubjetivas, integradas às ações técnicas. Considerações Finais: Os enfermeiros sustentavam esforço e empenho para cuidar dos usuários e famílias, ainda que submetidos a condições de trabalho precárias, atrasos de salários e insegurança quanto à sustentabilidade política e econômica da ESF no município. A dimensão intersubjetiva do cuidado, essencial para a qualificação da assistência, exige a criação de espaços de discussão e compartilhamento de dúvidas e conhecimento, além dos afetos entre os enfermeiros. O estudo de caso contribuiu para apontar a necessidade de ampliar a discussão teórica sobre o cuidado, sua potência e seus limites em serviços inseridos num contexto pouco favorável ao estabelecimento de estratégias e ritmos de trabalho permeáveis à exigência de tempo para a escuta, e acompanhamento do trajeto singular de cada usuário no seu processo de tratamento e elaboração do sofrimento.
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