30/09/2019 - 15:00 - 16:30 CB-8E - GT 8 - Espaço, Saúde e a Autonomia no Cuidado |
31643 - TORTURA E PRÁTICAS DE SAÚDE MÁRCIA SILVA DE OLIVEIRA - UERJ
TORTURA E PRÁTICAS DE SAÚDE .
O trabalho apresenta os desdobramentos de uma situação de manejo inadequado da dor de uma paciente descrita abaixo durante a minha prática como enfermeira .
A.G, 48 anos, lúcida, orientada, com câncer sem possibilidades terapêuticas , com complicações na ingesta de alimentos por conta de obstrução do trato gastro intestinal . Realizo a vista diariamente.Em dado momento encontrei-a com a facies de dor e verbalizando : “ não aguento mais”. Registro no prontuário a necessidade de uma revisão do esquema de analgesia. No dia seguinte observo que a morfina estava prescrita em caso de dor, no entanto não havia sido feita. Abordei a enfermagem que expressou frases que denotavam uma desvalorização do quadro de dor da paciente: "Ela tem dor emocional","É uma paciente “poliqueixosa”","Ela reclama de tudo".
A dor da paciente no prontuário era relatada de forma irregular, não revelando objetivamente o quadro álgico da paciente. Após vários embates com a equipe de enfermagem, inclusive pontuando a negação da dor como tortura para a paciente, me dirigi ao médico responsável para que avaliasse e registrasse a necessidade de uma analgesia regular para a paciente. Assim foi feito.
O manejo inadequada da dor por parte de profissionais da saúde é devidamente documentado em todo o mundo, seja por negação da dor do paciente, registros inadequados, seja por doses insuficientes ou até mesmo por indisponibilidade de medicamentos adequados . No entanto o presente trabalho objetiva avaliar o fenômeno a partir da perspectiva dos direitos humanos. Uma adequada analgesia se configura um direito humano quando este recorre às unidades de saúde, é uma obrigação moral e técnica sanar a dor. é a função primeira, quase o motivo primeiro da existência de um hospital. O inadequado manejo da dor está contemplado na carta interamericana de direitos humanos como tortura e tratamento degradante, ou seja, além de uma negligência técnica, uma negligência moral, que viola a dignidade humana.
Um dos desdobramentos da carta das nações unidas , onde se destaca a declaração de direitos humanos, é a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, aprovada em 1984. Posteriormente temos a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 1985, onde se define tortura como : "Art. 2:“todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais com fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou qualquer outro fim. Entender-se-á também como tortura a aplicação, sobre uma pessoa, de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou angústia psíquica. Não estarão compreendidas no conceito de tortura as penas ou sofrimentos físicos ou mentais que sejam unicamente consequência de medidas legais ou inerentes a elas, contanto que não incluam a realização dos atos ou a aplicação dos métodos a que se refere este artigo”.
Em 2013, Juan Mendez, publica no Special Repporteur das nações unidas formas diversas de abusos , torturas e tratamentos degradantes em ambiente de cuidado em saúde. Ainda em 2013, o Washington College of Law publica uma série de artigos sobre o tema "Torture in Healthcare Settings: Reflections on the Special Rapporteur on Torture’s 2013 Thematic Report". Tratando-se do tema, há dois cenários em que se desenvolve a participação do profissional de saúde em tortura e tratamento degradante e desumano, o primeiro já bem documentado historicamente que é em situação de conflito armado, o segundo é em ambientes onde se desenvolve o cuidado em saúde. Destacam-se como populações vulneráveis os idosos, população LGBT, profissionais do sexo, doentes mentais, usuários de droga e discapacitados. Além da negação do tratamento da dor destaca-se como tortura as intervenções médicas sob coerção, negação de cuidados ou provisão de cuidados sob alegação discriminatória, tratamentos humilhantes, dentre outros...
O tema vem despontando como fundamental em todas as áreas da sociedade para informação, formação e estratégias de enfrentamento.
Como ação resultante da experiência, o tema foi incluído no curso de direitos humanos em saúde oferecido pela defensoria pública, onde ministro uma aula e desenvolvo o tema a partir dos tópicos : Aspectos históricos / A relação do fim da tortura com os direitos humanos/ A tortura em ambiente de cuidado em saúde/debate acerca de casos semi reais.
A pretensão universal dos direitos humanos é controverso, mas no ambiente de cuidados em saúde as controvérsias se diluem, tendendo a uma universalidade a compreensão da emergência dos direitos humanos como uma base ética para a tomada de decisão e a prática em saúde.
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