29/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-3E - GT 3 - Metodologias em pesquisa e formação sob a ótica da Análise Institucional |
30726 - O DIÁRIO INSTITUCIONAL COMO UM DISPOSITIVO PARA ANÁLISE DAS PRÁTICAS PROFISSIONAIS EM UM PROGRAMA DE HANSENÍASE KAREN DA SILVA SANTOS - EERP/USP, CINIRA MAGALI FORTUNA - EERP/USP, MARCELA GONÇALVES - EERP/USP
O Programa Nacional de Controle da Hanseníase do Ministério da Saúde desenvolve um conjunto de ações que tem a finalidade de orientar a prática em serviço em todas as instâncias e diferentes complexidades, de acordo com os princípios do SUS, fortalecendo as ações de vigilância epidemiológica da hanseníase, a promoção da saúde com base na educação permanente e a assistência integral aos acometidos por este agravo. Além do nível nacional, há a coordenadoria estadual e municipal (BRASIL, 2010). Sendo esta última responsável pela busca ativa, diagnóstico, tratamento e reabilitação dos atingidos pela hanseníase.
É a nível municipal que as políticas públicas são operacionalizadas e o que regem as práticas profissionais nem sempre estão descritas em protocolos e nas rotinas dos serviços de saúde, mas possuem diversos atravessamentos que permeiam a relação profissional-usuário-instituição.
Este trabalho, tem como objetivo relatar a experiência de uma das pesquisadoras na utilização do diário institucional como uma ferramenta de pesquisa, tomando como base a análise das práticas profissionais de trabalhadores de um Programa Municipal de Hanseníase. Os registros do diário foram realizados de janeiro de 2015 a setembro de 2017. Dessa forma, revisitar os registros, significa emergir outras reflexões e implicações.
Tomamos como base aqui, o referencial teórico metodológico da Análise Institucional (AI) das práticas profissionais o qual não é um dispositivo padronizado, mas uma aproximação das práticas que mobilizam alguns conceitos (implicação, encomenda, demanda, analisador, transversalidade, restituição). Remi Hess, com o uso do diário institucional identificou-o como uma ferramenta de análise interna que poderia ser igualmente utilizada como secundária dando suporte a pesquisa. A difusão da escritura produz reações que revelam elementos até então imperceptíveis (MONCEAU, 2012).
Os registros realizados no diário, o qual denominamos aqui institucional, identificou origens importantes acerca das práticas profissionais dos trabalhadores, como por exemplo a construção da identidade profissional, em que, muitos antes de trabalharem com hanseníase contaram desconhecer a doença e que presenciaram preconceito e estigma na família ou em pessoas próximas. Mesmo após a formação profissional, não se sentem totalmente à vontade em compartilhar informações a respeito do local que trabalham, além de afirmarem que a formação foi bem superficial ou nula em relação a hanseníase. Ceccim e Feuerweker (2004) apontam que a formação para a área da saúde deveria ter como foco a transformação das práticas profissionais e da organização do trabalho. Nesse contexto, as práticas profissionais podem se reproduzir de forma a ignorar as doenças negligenciadas, com é o caso da hanseníase.
Ao relatarem as experiências durante os atendimentos, o sentimento de alguns profissionais em relação à pessoa acometida pela hanseníase também foi algo destacado no diário institucional, pois muitos se emocionaram ou demonstraram expressões de raiva/descontentamento, seja em relação ao corpo biológico (pessoas com sequelas e deformidades importantes), ao aspecto social (pessoas que não tinham condições de ir até o serviço de saúde, se alimentarem para tomar a medicação ou por preconceito de familiares), ou no campo educacional (não entendimento acerca da doença, tratamento ou até mesmo negação).
A pesquisadora também utilizou o diário como uma ferramenta auto reflexiva, em que, se colocando em análise pode identificar suas próprias implicações acerca da sua própria prática profissional de pesquisadora e enfermeira. Em 2017 e 2018, a pesquisadora foi gestora de um Programa de Hanseníase e revisitou o diário em alguns momentos, produzindo outras reflexões as quais tensionaram suas práticas. Monceu (2013) nos aponta que as práticas e as instituições da saúde produzem envolvimento dos profissionais que nelas atuam, sendo que os “objetos” do trabalho são sujeitos e estes são humanos.
Assim, o uso do diário como análise das práticas profissionais é um instrumento potencializador para integrantes do Programa de Hanseníase, podendo ser entendido como transformador, envolvendo usuários, pesquisadores e gestores.
Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.125, de 7 de outubro de 2010. Aprova as diretrizes para vigilância, atenção e controle da hanseníase. Diário oficial da União, Brasília, DF, 07 de outubro de 2010.
MONCEAU, G. A socioclínica institucional para pesquisas em educação e em saúde. In; L‘ABBATE, S.; MOURÃO, L.C.; PEZATTO, L.M. Análise Institucional e Saúde Coletiva. São Paulo: Hucitec, 2013. Capítulo 1, pp.91-103.
MONCEAU, G. L’analyse institutionnelle des pratiques. Paris: Harmattan, 2012.
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