29/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-3D - GT 3 - Formação em saúde: reflexões a partir da Análise Institucional |
29957 - TECENDO NOVOS DIÁLOGOS: ANALISANDO OS ASPECTOS CULTURAIS DA PROFISSÃO MÉDICA NO CONTEXTO DE FORMAÇÃO PARA O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). VINÍCIUS SANTOS RODRIGUES - UFSJ, CÁSSIA BEATRIZ BATISTA - UFSJ
Apresentação: Este estudo surge da hipótese de uma insuficiência dos movimentos de mudança curricular da formação médica hegemônica diante da cultura da profissão médica. Entender como alguém se forma médico vai além de conhecer a proposta curricular e os programas disciplinares (Lampert, 2007). A identidade profissional é estruturada por aspectos culturais construídos e perpetuados pelo habitus, que na medicina tem suas bases no paradigma flexeriano (Veloso, 2008). Para Bourdieu, o habitus é compreendido como mediador entre práticas individuais e condições sociais; como um sistema composto de disposições estruturadas e estruturantes, o habitus organiza funções e modos de agir no cotidiano (Setton, 2002). Ao buscar compreender a formação médica, debruçamo-nos com a percepção social e a socialização do médico, resultando uma espécie de instituição própria, que mesmo com a existência de conhecimentos tradicionais e o surgimento de novos paradigmas frutos de um contexto histórico em disputa, estes não abalam a concepção e identidade do que conhecemos como médico. Nesta direção, acreditamos que a prática médica é regulada por um conjunto de normas e conhecimentos adquiridos e compartilhados nos cenários de formação e de atuação profissional. A mudança da formação médica, portanto, necessita de processos de investigação sobre essa organização própria, seguida de intervenções estratégicas.
Objetivos: Analisar a construção da identidade do médico na relação com a cultura médica e formação médica.
Metodologia: Após a aprovação pelo comitê de ética em pesquisa, este estudo qualitativo realizou 12 entrevistas semiestruturadas com professores-médicos de um curso de medicina implantado em 2014 em uma universidade federal mineira. Com roteiro elaborado previamente, contento questões centrais sobre os aspectos culturais envolvidos na formação e no trabalho médico, os professores se voluntariaram a participar depois de uma apresentação da pesquisa em uma assembleia departamental na universidade. A escolha de professores-médicos se deu pela compreensão de que essas pessoas são a manifestação concreta da cultura médica, e são os responsáveis pela transmissão da cultura em um sistema de ensino por modelo. As perguntas seguiram uma linha sócio-histórico e utilizaram da análise da percepção dos professores sobre o cotidiano de trabalho, aspectos passados da formação, planejamentos profissionais, precarizações e privilégios da profissão médica. As respostas foram gravadas, transcritas, categorizadas e analisadas de acordo com as hipóteses levantadas e referenciais teóricos utilizados.
Resultados: As entrevistas apontam a existência de uma cultura médica brasileira, em que se percebe, nas diferentes especialidades, repetições de concepções liberais, tecnicistas, biologicista, doença-centrada, distantes da necessidade do SUS e com reforço ao prestígio social atribuído ao médico. É observado na formação uma intensa influência da cultura médica na constituição das identidades profissionais, especialmente no momento da graduação, período apontado nas entrevistas como decisivo na identificação de exemplos a serem seguidos, na escolha da especialidade e na forma de atuação e relação com o trabalho; elementos estes que foram incorporados na atuação docente dos entrevistados. Em um contexto de aprendizagem por modelo, a transmissão de saberes especializados e concepções hegemônicas sobre a prática médica é por vezes pouco problematizada pelos discentes, impedindo questionamentos e mudanças para com as habilidade e competências necessárias ao SUS. Esse trajeto permitiu levantar os aspectos centrais da cultura médica brasileira: Corpos anatomizados, Cuidado centrado na biomedicina, Trabalho médico e Prestígio social do médico. Esses aspectos são pontos necessários para compreender a relação da estrutura universitária, currículo e cultura médica, dentro de um processo de manutenção de um perfil desalinhado aos princípios do SUS.
Considerações: Consideramos que a cultura médica exerce grande influência ou é definidora em boa parte dos processos de formação tanto universitária quanto no trabalho em saúde. Dito isso, cabe a nós pensar as limitações de uma reorientação curricular que não considera a presença de uma cultura médica nos estágios, nos modelos de professores e nos outros elementos que compõem a formação. Reconhecer os aspectos culturais na construção da identidade médica é o início para se pensar novas estratégias de mudanças pedagógicas para a formação orientada para o SUS. Dizer da cultura médica, portanto, possibilita aproximar de contradições e disputas; refletir sobre os modos de manutenção de modelos de cuidado e de privilégios permite reinventar a prática médica ao questionar os modelos de formação, rumo a gerar fissuras na cultura médica vigente.
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