30/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-2B - GT 2 - Políticas Públicas em Saúde na região amazônica: acesso, equidade e outros destaques |
30104 - CONSTRUÇÃO SOCIAL DO ACESSO E USO DE SERVIÇOS DE ATENÇÃO BÁSICA FLUVIAL SOB A PERSPECTIVA DO USUÁRIO RURAL URIEL MADUREIRA LEMOS - ILMD/FIOCRUZ-AM, ROSANA CRISTINA PEREIRA PARENTE - ILMD/FIOCRUZ-AM, LUÍZA GARNELO - ILMD/FIOCRUZ-AM, FERNANDO JOSÉ HERKRATH - ILMD/FIOCRUZ-AM
Introdução: Apesar da garantia institucional do acesso universal e equidade em saúde, barreiras geográficas, socioeconômicas, étnico-raciais e culturais são apontadas na literatura como produtoras de iniquidades no acesso e uso dos serviços de saúde por populações rurais do Brasil e região norte do país. O acesso, definido como grau de adequação entre a efetivação da política de saúde e as necessidades dos usuários, deve considerar a disponibilidade do serviço, o território, os contextos individuais e sociais que permeiam a busca e obtenção do cuidado. Com 62 municípios e 3.483,985 habitantes em 2010, o Amazonas possui uma população rural de 728.495 indivíduos, correspondendo a 1/4 da população total do estado. Mesmo em um município marcado pela urbanização, como é o caso de Manaus, sua área rural se caracteriza pelas grandes distâncias geográficas, por uma população rarefeita, cujas condições de vida são ordenadas por uma estreita relação com os rios e florestas, configurando um mosaico socioambiental singular. O trecho fronteiriço entre os municípios de Manaus e Novo Airão abrange as populações rurais ribeirinhas residentes nas 25 comunidades na calha inferior esquerda do Rio Negro e dispersas num amplo território. As mais próximas de Manaus distam de 50,6km com tempo de deslocamento de 4h a barco com motor; as mais distantes a 197km em relação a capital e estão mais próximas de Novo Airão. O tempo de deslocamento varia de acordo com os períodos de seca ou cheia dos rios, com relevantes implicações no acesso geográfico, efetivado exclusivamente por via fluvial e através de transporte próprio, em função da ausência de transporte fluvial coletivo e regular. A oferta de atenção básica é provida por uma unidade básica de saúde fluvial que atua em regime de itinerância, mediante deslocamento mensal, com permanência média de 4 horas mensais em cada localidade. Ainda assim, a oferta é menor que a demanda, pois o cronograma de atendimento não é extensivo a todas as localidades, obrigando moradores de outros locais a buscarem atendimento em comunidades vizinhas. Cuidados cotidianos nas próprias localidades são ofertados apenas por agentes de saúde e de endemias, que residem no próprio local. Objetivo: Caracterizar o acesso e uso de serviços de saúde de atenção básica fluvial sob a perspectiva do usuário rural. Metodologia: A pesquisa foi realizada no âmbito de um projeto quanti-qualitativo, ainda em andamento, que abrange 25 comunidades rurais ribeirinhas situadas na calha inferior do Rio Negro nos municípios de Manaus e Novo Airão, que tem por objetivo investigar as condições de vida e de acesso, uso e oferta de serviços de saúde. Os dados aqui apresentados expressam resultados do componente qualitativo, desenvolvido através de observação e entrevistas de base domiciliar. Resultados e discussão: Os usuários que residem na comunidade sede onde a unidade básica de saúde ancora acessam o serviço por via terrestre a pé. Os residentes nas proximidades ou em áreas mais remotas buscam acesso por via fluvial, alternativa condicionada à posse de transporte próprio ou à rede solidariedade comunal. Considerando o regime de cheia e vazante dos rios a distância a ser percorrida pode aumentar muito nos períodos de seca. Como referência mais acessível de atendimento em saúde, usuário rural conta com o agente comunitário de saúde; em segundo plano surge a unidade básica de saúde fluvial (UBSF), durante o período de permanência no território. O ACS proporciona a possibilidade de cuidado contínuo, embora com resolutividade limitada, ao passo que a UBSF, além da intermitência também estreita a porta de entrada por instituir senhas de atendimento em quantidade insuficiente, segundo os usuários. A oferta de fichas expressa preponderância do serviço na definição de prioridades, não raro em conflito com necessidades valorizadas pelos usuários. As demandas de atendimento na UBSF são reguladas pelo agente comunitário que, de acordo com os entrevistados, prioriza a distribuição de senhas para parentes e aliados, prejudicando os residentes nas localidades do entorno. Para os entrevistados a condição de co-residente aumenta as chances de obtenção de senhas para consultas. A agência política do ACS o converte em personagem híbrido, que ora emerge como figura central na oferta do cuidado, ora se posiciona como barreira social ao acesso. Considerações Finais: Embora a UBSF amplie o acesso a atenção básica persistem barreiras geográficas e políticas, obstaculizando o atendimento das necessidades sentidas pelos usuários. A limitada presença da unidade compromete a continuidade do cuidado, em particular pela fraca articulação com o trabalho do ACS, mais fiel aos seus compromissos políticos na comunidade que à programação da demanda. A adoção de fichas que direcionam e restringem a demanda espontânea obedecem a uma racionalidade técnica, mas retira o protagonismo do usuário, subalternizando suas necessidades às prioridades do serviço de saúde.
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