30/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-2B - GT 2 - Políticas Públicas em Saúde na região amazônica: acesso, equidade e outros destaques |
30248 - “BPC E RURAL DEU, NÉ?” DESENCONTROS ENTRE A PROPOSTA DE REFORMA DA PREVIDÊNCIA E AS CONDIÇÕES DE VIDA DAS POPULAÇÕES EM CONTEXTO RURAL NA AMAZÔNIA MATHEUS VASCONCELOS TORRES - FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, CENTRO DE PESQUISA LEÔNIDAS E MARIA DEANE, PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CONDIÇÕES DE VIDA E SITUAÇÕES DE SAÚDE NA AMAZÔNIA, PRISCILLA CABRAL CORREIA - FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, CENTRO DE PESQUISA LEÔNIDAS E MARIA DEANE, PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CONDIÇÕES DE VIDA E SITUAÇÕES DE SAÚDE NA AMAZÔNIA, LUIZA GARNELO - FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, CENTRO DE PESQUISA LEÔNIDAS E MARIA DEANE
O trabalho analisa arranjos socioeconômicos, afetivos e culturais de famílias rurais amazônicas, beneficiárias de aposentadorias e/ou BPC. Problematiza repercussões potenciais da reforma previdenciária em seus cotidianos, face a ameaça de restrições de acesso à Aposentadoria Rural e ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). Historicamente atividades de pesca, caça, extrativismo e agricultura familiar representaram os principais meios de subsistência de populações rurais da Amazônia. Porém, políticas de ocupação da região têm engendrado transformações no modelo produtivo, alterado os modos rurais de vida, aprofundado desigualdades e desencadeado uma transição alimentar que traz no seu bojo a substituição da condição de produtores autônomos pela de consumidores de produtos, cuja subsistência depende do ingresso regular de recursos, num contexto de escassa disponibilidade de postos de trabalho. Tal cenário contrasta com a ideia de racionalidade ambiental que aventa a criação de uma nova lógica econômica pautada na integração entre a economia global e economias locais cuja apropriação de recursos naturais se daria de modo sustentável (Leff, 2009). Foram analisados dados do componente qualitativo de um projeto quali-quantitativo que investiga uma amostra de 300 domicílios em 25 localidades rurais assentadas na margem esquerda do Rio Negro, na fronteira entre os municípios de Manaus e Novo Airão, Amazonas. Os dados foram coletados através de entrevistas domiciliares, observação e registro de diário de campo; os resultados enfatizam a produção discursiva dos idosos. Subsidiariamente procedeu-se pesquisa documental para obter informações sobre as características da reforma da previdência que ora ocupa o centro do debate nacional. O lócus de estudo é marcado por um acesso exclusivamente fluvial; ausência de meios de transporte, exceto os de propriedade particular; distância significativa dos mercados consumidores concentrados nas sedes municipais e ausência de arranjos produtivos que gerem postos de trabalho, em particular porque às localidades já estabelecidas foi interposta uma reserva ambiental cuja criação restringiu a exploração predatória, mas não gerou alternativas sustentáveis de geração de renda. A população de jovens e adultos vive em regime de elevada mobilidade, transitando entre localidade de origem e Manaus, onde buscam trabalho e melhoria de condições de vida. Já os mais velhos representam o polo de estabilidade das relações familiares, pouco se deslocando, exceto para compras e busca de cuidados de saúde. Tal estabilidade permite o retorno de jovens e adultos à comunidade quando se frustram as tentativas de inserção produtiva no espaço urbano. As características socioambientais acima descritas tem, entre suas consequências, uma disjunção afetivo-cognitiva entre as gerações, na qual os mais jovens têm pouco – e por vezes nenhum – domínio das dimensões simbólicas e técnicas necessárias à punção de recursos na natureza para garantir a preservação da vida familiar. Mesmo entre os que sabem e desejam explorar recursos na natureza, as restrições instituídas pela reserva ambiental dificultam a concretização da iniciativa. São condições que favorecem a transição alimentar marcada pelo elevado consumo de alimentos ultraprocessados, de resto, os de maior durabilidade em domicílios desprovidos de luz elétrica e refrigeração de alimentos. Nesse contexto, BPC e aposentadoria rural tornam-se as principais fontes de ingressos financeiros nos domicílios estudados. O domínio deles empodera a população idosa em contraponto à situação dos mais jovens, que continuam dependentes das figuras parentais, mesmo em idade adulta. Tais circunstâncias não resultam, necessariamente, em melhoria das interações afetivas intrafamiliares, o que se exemplifica pelos relatos recorrentes de solidão enunciados pelos idosos, em que pese sua condição de eixo estabilizador do núcleo familiar. Na ausência de racionalidade ambiental e em presença de uma recorrente exclusão de trabalhadores rurais do mercado urbano de trabalho, as políticas de inclusão social convertem-se no principal motor da economia nesses locais, repercutindo também nos mercados de Manaus e Novo Airão que atende os consumidores rurais. A ausência de iniciativas consistentes de geração sustentável de renda se conjuga às ameaças geradas pela proposta de reforma da previdência, justificada por uma produção discursiva centrada no equilíbrio entre as receitas e despesas do Estado que ameaça o direito à vida de grupos socialmente vulneráveis como os que predominam no rural amazônico.
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