29/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-7B - GT 7 - Abordagens e conceitos socioantropológicos em estudos sobre adoecimentos e sofrimentos de longa duração |
30101 - DOENÇAS RARAS HEREDITÁRIAS COMO SOFRIMENTO DE LONGA DURAÇÃO: ITINERÁRIOS, MORALIDADES E CUIDADOS WALESKA DE ARAÚJO AURELIANO - UERJ
Apresentação: Essa comunicação apresenta elementos comuns na trajetória de pessoas afetadas por doenças raras hereditárias no Brasil. Classificam-se como “raras” doenças que afetam 65 pessoas a cada 100 mil. São condições geralmente crônicas e degenerativas. Cerca de 80% das doenças raras tem origem genética e são hereditárias. Esse dado traz implicações importantes no que diz respeito às políticas de atenção à saúde da família, a reprodução e o cuidado para condições clínicas que, em alguns casos, atravessam várias gerações.
Objetivos: a pesquisa teve por objetivo analisar elementos comuns na trajetória de pessoas afetadas por doenças raras hereditárias no Brasil, tendo por cerne a busca por diagnóstico e tratamento, e a reprodutibilidade da família. A escolha por delimitar a abordagem às doenças raras hereditárias deve-se ao fato de que boa parte dessas condições carrega um componente genético que pode ser transmitido ou herdado (embora nem toda doença genética seja hereditária). Diante de uma doença rara hereditária várias pessoas serão incluídas em um diagnóstico, como irmãos, primos, sobrinhos. Por outro lado, a duração e os efeitos de uma doença rara podem implicar necessidades de cuidado extenuantes que afetam significativamente outros membros da família, notadamente as mulheres.
Metodologia: Os dados analisados são fruto de pesquisa qualitativa conduzida desde 2013 em diferentes cenários: associação de pacientes, congressos científicos, hospitais e audiências públicas (estadual/federal). O trabalho de campo deu-se basicamente através da participação em eventos públicos abertos, realizados no Rio de Janeiro e em Brasília. Acompanhei ainda as atividades de uma associação de pacientes afetados por uma doença rara que tem formas adquiridas e hereditárias, as ataxias, no Rio de Janeiro. Realizei entrevistas semiestruturadas com membros de duas famílias que faziam parte dessa associação e que tinham uma das formas hereditárias de ataxia, a Doença de Machado-Joseph. Também foram entrevistados líderes de quatro associações de pacientes com doença rara hereditária. Por fim, durante três meses observei as consultas realizadas no ambulatório de genética médica de um hospital universitário do Rio de Janeiro.
Resultados e discussão: Para discussão dos dados coletados privilegiei três aspectos que estão interconectados e que aparecem de forma recorrente nas narrativas de pessoas com doenças raras hereditárias: a) a busca pelo diagnóstico, b) o acesso aos tratamentos, e c) as questões concernentes à reprodução e continuidade da família. Uma das principais queixas de pacientes refere-se ao longo tempo que levaram até chegar a um diagnóstico preciso. Apesar da presença de uma gama de sintomas, vários interlocutores relatam um grande período de tempo, variando de um ano a décadas, para se ter um diagnóstico definitivo de doença rara hereditária na família. A obtenção do diagnóstico, em geral, vem depois de iniciado algum tipo de tratamento, algumas vezes de forma equivocada por associação dos sintomas a outras doenças. O diagnóstico se torna crucial para as condições que possuem alguma forma de tratamento medicamentoso, especialmente medicamentos de alto custo que precisam ser judicializados. No caso das doenças raras hereditárias com algum tratamento específico, que será mais eficaz se iniciado precocemente, o diagnóstico correto irá determinar a qualidade de vida que a pessoa afetada terá e até mesmo o controle da doença em alguns poucos casos. Por fim, um ponto importante sobre o diagnóstico e tratamento para doença rara hereditária diz respeito aos testes preditivos para sujeitos assintomáticos e os testes pré-natais. Na pesquisa, percebeu-se que conhecer sua condição genética, ou da sua descendência, não é algo desejado por muitas das pessoas assintomáticas que tem uma doença rara hereditária em suas famílias, especialmente quando não há tratamento efetivo para essa doença, em contextos onde o aborto não é legalizado no caso de malformação (para testes pré-natais), ou nos quais as tecnologias de reprodução assistida ainda são caras e pouco acessíveis, como é o caso do Brasil.
Considerações Finais: As doenças raras hereditárias envolvem moralidades, desejos e afetos que serão considerados na significação dos diagnósticos e dos tratamentos, e no uso (ou não uso) das tecnologias médicas de forma bastante variada, pois antes de ser uma condição clínica, essas doenças são uma questão de família, e como tal não escapam a sua complexidade. Um aspecto a destacar nesse processo é o silenciamento em torno dos cuidadores, que em sua grande maioria são as mulheres - mães, esposas, irmãs ou filhas. Sobre as mulheres tem recaído uma grande carga moral, econômica e emocional relacionada ao cuidado do paciente com doença rara hereditária. As necessidades desse contingente de cuidadoras, que são também agentes políticos, precisam ser melhor observadas e discutidas na construção de políticas públicas e futuras pesquisas.
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