29/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-7B - GT 7 - Abordagens e conceitos socioantropológicos em estudos sobre adoecimentos e sofrimentos de longa duração |
30336 - ALCOOLISMO FEMININO, DOENÇA CRÔNICA E GÊNERO: MULHERES EM TRATAMENTO EM ALCOÓLICOS ANÔNIMOS EDEMILSON ANTUNES DE CAMPOS - USP
Introdução
Nas últimas décadas, o alcoolismo feminino chama a atenção das autoridades médicas e sanitárias da sociedade brasileira. Segundo as informações disponíveis 6,9% das mulheres brasileiras são dependentes do álcool (Carlini et al., 2006). Nesse quadro, destaca-se a presença dos Alcoólicos Anônimos (A.A.), um modelo terapêutico voltado à recuperação individual de seus membros que se tornaram dependentes do álcool. Este trabalho busca compreender o papel e os limites do modelo de A.A. no tratamento do alcoolismo feminino com ênfase no marcador social da diferença gênero, que define assimetricamente as representações do uso do álcool e do alcoolismo entre homens e mulheres em nossa sociedade.
Objetivos
Compreender o papel e os limites do modelo de A.A. para dar conta do alcoolismo feminino, uma doença marcada pelas relações de gênero em nossa sociedade.
Metodologia
Este estudo é desenvolvido por meio de pesquisa qualitativa, com abordagem etnográfica, com mulheres alcoólicas em tratamento em grupos de A.A., localizados nas Zonas Norte, Leste, Sul, Oeste e Centro da cidade de São Paulo.
Resultados e Discussão
Para os AAs, o alcoolismo é uma doença crônica de base física e mental, que exige a abstinência do uso de álcool para seu controle e tratamento (Alcoólicos Anônimos, 1996). Para Mäkelä (1991), a fim de que a recuperação tenha início, o indivíduo precisa reconhecer pessoalmente seu próprio alcoolismo, de maneira que a condição de ser alcoólico é tão fundamental que superaria quaisquer outras diferenças individuais e sociais.
Como o marcador social da diferença gênero incide sobre o modelo terapêutico de A.A. no tratamento do alcoolismo feminino?
A relação entre o alcoolismo feminino e as relações de gênero chama a atenção de pesquisadores da área das ciências sociais e saúde. Exemplo disso é o trabalho de Campos e Reis (2010) e Campos (2010), no qual as representações sobre o uso do álcool estão ligadas às relações familiares, profissionais e de gênero no qual as mulheres estão inseridas. Garcia (2004) aponta para a “transgressão” que é o ato de beber em público para as mulheres. Cerclé (1998) aponta que prevalece uma percepção diferente do alcoolismo feminino, em relação ao masculino, de modo que, ele afeta a mulher em sua vida conjugal no cuidado da casa e dos filhos. Fainzang (2007) aponta uma tendência a priorizar as “causas psicológicas ou orgânicas” do alcoolismo feminino, ao passo que para o alcoolismo masculino são evocadas “causas sociológicas”: pressão social, desemprego, más condições de trabalho.
As relações de gênero definem o processo de adesão das mulheres ao modelo terapêutico de A.A.., o seu histórico de recaídas e o itinerário de busca de tratamento em A.A.. Exemplo disso é a presença de grupo de A.A. composto apenas por mulheres, também chamados de “grupos de propósitos”, o que aponta para o modo como as relações de gênero, presentes em nossa sociedade, incidem diretamente sobre o modo como as mulheres vivenciam a experiência do alcoolismo dentro do A.A.
Considerações finais
O alcoolismo feminino pode ser considerado uma doença de gênero, ligada às relações assimétricas entre homens e mulheres em relação ao uso de bebidas alcoólicas em nossa sociedade. As mulheres que buscam tratamento em A.A. reforçam o modo como marcador social da diferença gênero tensiona o modelo terapêutico de A.A. e sua definição do alcoolismo como doença crônica.
Financiamento
Projeto financiado pela FAPESP, com Auxílio à Pesquisa, número processo: 2017/18535-9.
Referências
ALCOÓLICOS ANÔNIMOS (1996). O Grupo de AA: onde tudo começa. São Paulo: JUNAAB - Junta de Serviços Gerais de Alcoólicos Anônimos.
CARLINI. E.A. et al. (2006). II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país: 2005. São Paulo: Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas. Universidade Federal de São Paulo (CBRID/UNIFESP).
CAMPOS, E.A. (2010). “Nosso remédio é a palavra”: uma etnografia sobre o modelo terapêutico de Alcoólicos Anônimos. Rio de Janeiro: Ed. FIOCRUZ.
CAMPOS. E.A. e REIS, J.G. (2010). Representações sobre o uso de álcool por mulheres em tratamento em um centro de referência da cidade de São Paulo - Brasil. Interface (Botucatu), Botucatu , v. 14, n. 34, p. 539-550.
CERCLÉ, A. (1998). L’alcoolisme. Paris: Flamarion.
FAINZANG, S. (2007). Curar-se do álcool: antropologia de uma luta contra o alcoolismo. Niterói : Intertexto.
GARCIA, A.M. (2004). E o verbo (re) fez o homem: estudo do processo de conversão do alcoólico ativo em alcoólico passivo. Niterói: Intertexto.
MÄKELÄ, K. (1991). Social and cultural preconditions of Alcoholics Anonymous (AA) and factors associaded with the strength of AA. British Journal of Addiction, v. 86, n. 1, p. 1405-1413.
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