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Grupos Temáticos

29/09/2019 - 13:30 - 15:00
EO-7B - GT 7 - Abordagens e conceitos socioantropológicos em estudos sobre adoecimentos e sofrimentos de longa duração

30590 - “UM SEGREDO QUE ME CORRÓI”: SEGREDO, POLÍTICAS DE INVISIBILIDADE E SOFRIMENTO SOCIAL NA EXPERIÊNCIA DE PESSOAS QUE VIVEM COM HIV/AIDS
LUCAS PEREIRA DE MELO - USP, EDEMILSON ANTUNES DE CAMPOS - USP, BRUNA RODRIGUES ARAUJO - USP, JOÃO VITOR RODRIGUES ALEXANDRE - USP


Introdução: Vive-se hoje no Brasil uma restrição discursiva sobre o HIV/aids que transformou o viver com essa condição de longa duração numa “doença segredo”. O segredo aqui é compreendido como um fenômeno social, uma vez que está associado a experiências de invisibilidade e de sofrimento social na experiência de pessoas que vivem com HIV/aids (PVHA). Objetivo: compreender as imbricações entre sorologia em segredo, invisibilidade e sofrimento social na experiência de PVHA. Metodologia: trata-se de etnografia virtual conduzida em um grupo fechado no Facebook desde 2017. Além da observação participante on-line e da análise do conteúdo postado no grupo, 13 interlocutores foram entrevistados individualmente. Os dados foram analisados e interpretados à luz da literatura socioantropológica. O projeto foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa. Resultados e discussão: O grupo oferece a possibilidade de estar num espaço on-line que permite o contato com outras PVHA, sem expor a sorologia em relações off-line. O debate sobre o segredo da sorologia foi estimulado recentemente por Letícia (nomes fictícios). Ao longo dos comentários à postagem, as razões e os medos para não “abrir a sorologia” giravam em torno dos estigmas e seus impactos nas relações sociais. Havia quem considerasse desnecessário falar de questões “médicas” com outras pessoas. Para outros, o segredo sobre a sorologia lhes imputava “uma vida de mentiras” (Ângelo), “um pêndulo entre o sorriso e o pranto” (Heitor), “um segredo que me corrói” (Patrício). Alguns interlocutores “abriram” a sorologia gradualmente, outros viam o segredo como uma “sociedade secreta” (Fábio) ou como uma prisão “vive preso neste segredo” (Fernando). Quando iniciamos a etnografia, as postagens eram, predominantemente, sobre informações e experiências com o tratamento, dilemas, dificuldades, vida afetiva, etc. Esses conteúdos vêm se modificando desde setembro de 2018 com a campanha eleitoral para Presidente da República. Em 2019, diante das pautas conservadoras do atual Presidente, a cada ação sobre a política de HIV/aids, somam-se postagens com links de reportagens e mensagens problematizando o desmonte da política e os medos em relação ao futuro (não ter acesso a medicamentos). Em maio de 2019, Pedro fez uma postagem sobre uma “depressão coletiva” entre os integrantes do grupo. Quinze dias depois, Augusto postou: “Gente, por favor, vamos parar de espalhar o pânico entre nós (...). Diversas pessoas procuram este grupo em busca de apoio, mas se descer a barra de rolagem das postagens, sai daqui mais depressivas”. Ambas as postagens foram seguidas de comentários que concordavam com as constatações de Pedro e Augusto, pois “o grupo é para apoio! Conversas positivas” (Felipe). Houve também críticas à postagem de Pedro: “eu percebo que não é uma ‘depressão grupal de pessoas vivendo’, mas um estado coletivo de depressão na população (...). A ameaça de ter medicamento em falta ou cortado é um plus empurrando a gente pra baixo” (Helena). Jonatã questionou o “apoio” na postagem de Augusto: “Mas se o grupo é de apoio, então as pessoas que estão preocupadas com a situação política do país e seu impacto na política de aids não poderão ser apoiadas? Parece que aqui só podemos falar do que está bem, dos que aderem ao tratamento, dos que estão felizes, dos que estão sem problemas?” Em nossa análise, além de apontar para uma mudança em curso nos conteúdos compartilhados no grupo, a noção de “apoio” é questionada e faz alusão ao processo de positivação da experiência das PVHA e seu cunho individualista. Além disso, as postagens sobre sofrimento psíquico e seus efeitos na adesão ao tratamento têm ganhado outros contornos. Antes esses sofrimentos pareciam estar associados a pessoas “emocionalmente fracas” e que precisavam da interação no grupo para seguir o tratamento. Tais relatos dizem respeito a experiências de sofrimento social corporificadas, uma vez que decorrem de processos políticos, culturais e morais indissociáveis e cuja ação estatal é fulcral. Se num primeiro momento, o problema se restringia aos “fracos”, nos últimos meses o medo do desmonte da política de aids parece indicar que “há perigo na esquina”, como avisou Helena. Sobre isso, Renato questionou: “o que faremos se faltar medicamento? Ir pra rua protestar? Mas como irei protestar se ninguém sabe da minha sorologia?” Considerações finais: os acontecimentos recentes na arena política brasileira parecem tensionar a “doença segredo”, solicitando dos integrantes do grupo o agenciamento de outras estratégias e modos de lidar com sua condição de PVHA. Nas postagens que envolvem ações relacionadas ao governo federal começa a ser problematizada a associação entre segredo-invisibilidade-desmonte da política como determinantes de sofrimento social, o que requererá a produção de novas estratégias de luta política com e apesar do segredo.

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