28/09/2019 - 15:00 - 16:30 CB-7A - GT 7 - Processos de formação, saúde e práticas no contexto dos adoecimentos de longa duração II |
30904 - A CLÍNICA AMPLIADA NA FORMAÇÃO MÉDICA: PROPOSTA DE CUIDADO NA PRÁTICA DO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DANIELE CRISTINA GODOY - FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU - UNESP, ANTONIO P. P. CYRINO - FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU - UNESP, ROSAMARIA GIATTI CARNEIRO - UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - UNB
O presente trabalho, com metodologia qualitativa, trata de recorte da pesquisa de doutorado (2018), que tem como tema o ensino médico na Atenção Primária e os desafios da prática clínica na contemporaneidade. O estudo teve como campo a disciplina Interação Universidade Serviços e Comunidade (IUSC) inserida no currículo de curso de graduação médica de uma faculdade pública estadual do interior de São Paulo. A Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB) ao longo da sua trajetória no processo de formação médica tem valorizado o ensino na comunidade e uma formação inserida no SUS a partir da prática humanizada, crítica, reflexiva e pautada na integralidade do cuidado. Nesta busca por ressignificar o ensino médico, sobretudo a partir da vertente de valorização do paciente enquanto sujeito da clínica, é que em 2002, com apoio de políticas e programas do Ministério da Saúde, a FMB cria a IUSC que ocorre nos três e dois primeiros anos de graduação em medicina e enfermagem, respectivamente, elegendo como cenário de prática a atenção primária à saúde: território, unidades de saúde, equipamentos sociais e instituições comunitárias. As práticas se desenvolvem orientadas pela metodologia da problematização e pelas concepções da Clínica Ampliada. Com relação à clínica nos remetemos ao encontro entre dois sujeitos: o profissional e o doente. A clínica nas primeiras formas de medicina se dava à beira do leito, significando o ato de cuidar, já a clínica decorrente da medicina moderna tem como objetivo principal a doença, fazer um diagnóstico, um prognóstico e prescrever o tratamento. Hoje vivemos muitos impasses da clínica tradicional, biomédica, voltada essencialmente ao corpo e a doença e a clínica centrada no sujeito, aquela que amplia o seu olhar ao doente e suas experiências com o adoecimento. A partir da perspectiva de superação da clínica tradicional que opera com a supervalorização das questões biológicas, desconsiderando as dimensões subjetiva e social do sujeito é que Campos (2003) propõe a Clínica Ampliada e Compartilhada: a clínica do sujeito. A qual fundamenta-se com a singularização do atendimento clínico, o seguimento longitudinal dos casos, a ampliação do grau de autonomia do sujeito, a construção de vínculo, a valorização da escuta e a superação da fragmentação do cuidado, sendo este modelo o adotado na IUSC no processo de formação médica. Na busca por reconhecer o processo de ensino aprendizagem da Clínica Ampliada na IUSC III, destinada ao terceiro ano de graduação médica da FMB, que tem como atividade principal a consulta médica supervisionada, destinada a usuários adultos da Atenção Primária do município, a presente pesquisa se propôs a realizar uma investigação de natureza etnográfica, na qual o trabalho de campo foi desenvolvido usando a técnica de observação participante com registro em diário de campo, da atividade dos alunos no cotidiano da prática clínica. A produção do diário de campo buscou construir uma descrição densa do campo (GEERTEZ, 1989). Esse mergulho na prática de professores-tutores e alunos permitiu aprofundamento nesta realidade, bem como no contexto do encontro entre o aluno e o paciente. Dentre os inúmeros encontros que acompanhei neste tempo da pesquisa, aqui me proponho a trazer o caso da senhora Mariza e a aluna Adriana, o qual eu descrevo à partir de uma discussão que ensaia o reconhecimento de um campo problemático que a IUSC nos expõe e mostra a sua potência. Por quatro meses a aluna Adriana acompanha a senhora Marisa em consultas regulares, exercendo a longitudinalidade do cuidado. Sua queixa é sempre a mesma de dores pelo corpo que mudam de localização e não melhoram, o que tem desafiado a aluna a pensar no problema de saúde de maneira ampliada, para além de um diagnóstico biomédico. Na discussão de projetos terapêuticos, uma das práticas pedagógicas desenvolvidas, a aluna inicia com o seguinte desabafo: “este caso é muito difícil, as dores não melhoram nunca, esta é uma paciente muito complexa. A primeira suspeita foi de fibromialgia, mas hoje eu reconheço que o problema maior é emocional. No começo eu ficava ansiosa, mas teria sido mais fácil se eu tivesse perguntado sobre as questões familiares logo no início dos atendimentos”. E assim discuto o caso da senhora Marisa, desvendando neste encontro aluno-paciente a dificuldade de lidar com as ambiguidades e incertezas na prática clínica, bem como a percepção do quão desafiadora é a experiência da clínica na Atenção Primária, principalmente diante de demandas que se colocam na fronteira entre os problemas da vida e o diagnóstico da doença bem definido. A pesquisa permitiu uma reflexão rica à respeito do ensino médico atual, a suas necessidades de mudança e possíveis caminhos e estratégias para as transformações necessárias.
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