29/09/2019 - 15:00 - 16:30 EO-11G - GT 11 - Territorialidades e conflitos ambientais |
30215 - SOBERANIA ALIMENTAR COMO TEORIA E PRÁTICA: UMA PROPOSTA TEÓRICA E METODOLÓGICA PARA O ESTUDO DE MOVIMENTOS SOCIAIS COMO PRODUTORES DE CONHECIMENTO CAROLINA BURLE DE NIEMEYER - FIOCRUZ
A Soberania Alimentar é uma das respostas criativas e originais criadas por movimentos sociais de base para o enfrentamento do capitalismo em escala mundial. Pela sua multidimensionalidade, tem diferentes facetas e pode ser analisada por diferentes enfoques. A nossa interpretação converge com a de Wittman (2011), que adota uma perspectiva epistêmica para a análise do fenômeno, percebendo-o como uma “ciência emergente” construída por meio das práticas produtivas e das propostas políticas de um conjunto heterogêneo de movimentos de base. E com a de Rosset, Torres e Elenacoaut (2013), para quem, o paradigma da Soberania Alimentar foi construído mediante o encontro e o diálogo de saberes entre diferentes culturas rurais e do confronto político com o neoliberalismo e o agronegócio.
Este trabalho deriva da minha tese de doutorado, onde interpretei a Soberania Alimentar como um programa de conhecimento com aspectos teóricos e práticos e viés assumidamente político, resultante de um processo de produção social de conhecimento movido pela ação e troca de experiências e de saberes entre diferentes sujeitos, individuais e coletivos, articulados em redes de solidariedade transescalares e transdisciplinares. Para aqueles engajados neste processo, ciência é política e sua missão deve ser a emancipação humana e a preservação da vida.
Defendo a ideia que a Soberania Alimentar é uma forma de conhecimento-prático que vem sendo desenvolvida pela Via Campesina e as suas organizações constituintes, em interação com os seus parceiros e opositores, em relação a diferentes contextos de ação, nas escalas global, regional, nacional e local. Esta dinâmica está inserida em um processo contra-hegemônico, onde a Soberania Alimentar aparece com centralidade no campo de disputa por modelos de desenvolvimento, posto que coloca em cheque os fundamentos que sustentam a produção e a reprodução do capitalismo. Procuro mostrar que este é um conflito material e simbólico, no qual os movimentos sociais, além de intervirem no campo político de forma contenciosa ou institucional, atuam também no desenvolvimento de novos conhecimentos práticos e teóricos. Ou seja, por meio de sua praxis, os movimentos sociais travam uma disputa, que além de política e cultural é também cognitiva e epistêmica e busco desenvolver uma proposta teórico-metodológica que auxilie nesta análise.
Esta empreitada demanda a mobilização de conceitos, teorias e quadros interpretativos diversos e o empreendimento de um diálogo entre a Sociologia dos Movimentos Sociais e outras disciplinas. O estabelecimento desse diálogo interdisciplinar, decerto parcial, não é simples, mas nos parece fundamental para avançar na discussão teórica sobre os movimentos sociais contemporâneos, para além de sua concepção como organizações muito delimitadas (social e territorialmente) ou como atores cristalizados em um positivo científico que impede captar suas subjetividades, elaborações e vivências.
O artigo está estruturado em eixos definidos pelos temas e questões trabalhados. Iniciamos com uma problematização da noção de conhecimento e o questionamento do lugar e papel atribuídos à ciência em nossa sociedade, damos sequência com uma leitura teórica sobre Movimentos Sociais e Produção de Conhecimento, para então introduzir o debate sobre Territórios, Redes e Escalas em sua relação com as ações e práticas dos movimentos sociais contemporâneos. Ao longo do processo, buscamos construir um diálogo com a Saúde, entendida a partir dos Determinantes Sociais da Saúde. No percurso, dialogamos com: Sousa Santos (2002, 2008), Lacey (1999), Melucci (2001), Eyerman e Jamison (1991), Casas-Cortés, Osterweil e Powel (2008), Fernandes (2009), Haesbaert (2006), entre outros.
Bibilografia citada
CASAS-CORTÉS, Ml.; OSTERWEIL, M; POWELL, DE. Blurring boundaries: Recognizing knowledge-practices in the study of social movements. Anthropological Quarterly, p. 17-58, 2008.
SANTOS, BS. A filosofia à venda, a douta ignorância e a aposta de Pascal. Revista crítica de ciências sociais, n. 80, p. 11-43, 2008.
______. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista crítica de ciências sociais, n. 63, p. 237-280, 2002.
FERNANDES, BM., Sobre a tipologia de territórios. Territórios e territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Expressão Popular, p. 197-215, 2009.
HAESBAERT, R.; PORTO-GONÇALVES, CW. A nova des-ordem mundial. São Paulo: Editora UNESP, 2006.
LACEY H. Is Science Value Free? Values and scientific understanding. London: Routledge, 1999.
MELUCCI, A. A Invenção do Presente. Ed. Vozes, Petrópolis, 2001.
WITTMAN, H. Food sovereignty: a new rights framework for food and nature? In: Environment and Society: Advances in Research, v. 2, n. 1, 2011, p. 87-105.
ROSSET, PM; TORRES, M.; ELENACOAUT, M. Rural social movements and diálogo de saberesterritories, food sovereignty, and agroecology. In. Food Sovereignty: A Critical Dialogue International Conference Yale Universityp. 1-26. 2013.
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