29/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-16C - GT 16 - Violências e Aborto |
31503 - OBSTÁCULOS À DETECÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA MULHER NA PRÁTICA DO MÉDICO DE FAMÍLIA: SISTEMATIZAÇÃO DE EXPERIÊNCIA PAULA GEROMINI - UNESP, ANTONIO PITHON CYRINO - UNESP, DINAIR FERREIRA MACHADO - UNESP
No Brasil, a violência contra a mulher é um grave problema de saúde pública e sua forma mais comum é a violência praticada pelo parceiro íntimo (VPPI). Este estudo foi orientado pela metodologia de sistematização de experiência, que permite ao profissional, repensar sua prática e responder a novas situações de modo reflexivo, permitindo a construção de um novo conhecimento integrado e coerente com os saberes prévios. Essa experiência foi desenvolvida, em município de pequeno porte do Estado de São Paulo, por médica de unidade de saúde da família (USF), a partir da vivência cotidiana de atenção à saúde de usuárias, durante oito meses, de novembro (2017) a junho (2018). Fez uso de roteiro voltado a fomentar o diagnóstico de violência doméstica (VD), promover o primeiro acolhimento e o referenciamento das situações identificadas. Os atendimentos realizados foram registrados em diários de campo que, após análise, permitiram o reconhecimento de diferentes obstáculos à detecção da violência contra a mulher pelo médico, quais sejam: o caráter velado da VD; a perspectiva biomédica de abordagem de algumas condições crônicas; valores morais e esteriótipos do profissional; convivência profissional com a vítima e o abusador. O carater velado da VD foi percebido quando se analisou as queixas iniciais das usuárias (choro fácil, dificuldade para dormir, irritabilidade, nervosismo, ideação suicida etc.), que após uma maior investigação permitiriam revelar a VD. A invisibilidade da VD decorre de não se apresentar como um problema trazido pelas mulheres nos serviços de saúde. Foi, também, revelador o diagnóstico de VPPI em consultas de rotina realizadas com mulheres com hipertensão e/ou diabetes não controladas e com difícil manejo clínico. A VD, causa do descontrole, ficou encoberta em suas histórias de vida por um olhar mais centrado na doença e numa eventual não adesão ao tratamento. O estresse gerado pela VD, podem influenciar os níveis glicêmicos, assim como sua condição para adotar as medidas de controle e terapêuticas. Alguns esteriótipos do profissional limitaram o diagnóstico da VD, tais como: usuária com melhor perfil sócio-econômico que a maioria daquelas que frequentavam a USF, vítima de VPPI, não teve, de início, a VD como hipótese diagnóstica. Médicos/médicas, brancos, de classe média e sem experiência pessoal com VD, geralmente acham os pacientes, com características semelhantes as suas, com baixo risco de violência. Atender tanto a vítima quanto o abusador foi outra barreira identificada em dois situações, pois a imagem que a profissional possuía dos companheiros, senhores idosos e gentis, a prejudicou na elaboração imediata da hipótese diagnóstica de VPPI, colaborando como fator potencializador da invisibilidade da VD. A introdução do roteiro voltado a fomentar o diagnóstico de VD, nos atendimentos médicos produziu uma mudança significativa na condução das consultas, permitindo ao profissional desenvolver uma maior sensibilidade para realizar o diagnóstico. O uso de um roteiro voltado a fomentar o diagnóstico de violência doméstica (VD) mostrou-se potente, todavia é necessário que o profissional esteja devidamente sensibilizado e preparado para aplicá-lo, realizar o acolhimento e o correto referenciamento das situações identificadas.
Referências:
Bernechea, M. M.; González, E.; Morgan, M. de la L. La producción de conocimientos en sistematización. Diálogo de Saberes, n. 3, p. 104–117, Caracas, 2009.
Gremillion, D. H.; Kanof, E. P. Overcoming barriers to physician involviment in identifying and referring victims of domestic violence. Annals of Emergency Medicine, v. 27, n. 6, p. 769- 73, 1996.
Mendenhall, E. , Seligman, R. A., Fernandez, A. and Jacobs, E. A. (2010), Speaking through Diabetes. Medical Anthropology Quarterly, 24: 220-239, 2010.
Saletti-Cuesta, L., Aizenberg, L. & Ricci-Cabello, I. Opinions and Experiences of Primary Healthcare Providers Regarding Violence against Women: a Systematic Review
of Qualitative Studies. J Fam Viol. 33: 405, 2018.
Schraiber L. et al. Violência vivida: a dor que não tem nome. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, v.7, n.12, p. 41–54, 2003.
|

|