28/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-16A - GT 16 - Gênero, Sexualidade e Diversidade Sexual |
31045 - QUEBRADAS, TABACARIAS E FLUXOS: UMA APROXIMAÇÃO ÀS MÚLTIPLAS LINGUAGENS DA SEXUALIDADE JUVENIL PARA ALÉM DA PONTE REGINA MARIA BARBOSA - NEPO/UNICAMP, ANANDA CERQUEIRA, ELAINE BORTOLANZA, KIYOMI TSUYUKI - UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, SAN DIEGO - UCSD
Introdução:
Apesar da epidemia de Aids no Brasil ser classificada como estável, as taxas de infecção aumentaram entre mulheres de 15 a 24 anos entre 2010 e 2015 residentes em áreas urbanas, especialmente nas regiões Sudeste e Sul. Esta realidade se soma a um precário quadro de saúde reprodutiva entre as jovens, caracterizado pelo recrudescimento de outras doenças sexualmente transmissíveis, pela elevada taxa de fecundidade apesar da alta prevalência de uso de métodos contraceptivos, e por um cenário marcado pela violência. Pouco se sabe sobre as dinâmicas atuais envolvidas com a sexualidade e a reprodução das populações jovens residentes nas periferias das grandes cidades. O último estudo abrangente sobre o tema, o GRAVAD, foi realizado há mais de 15 anos; desde então ocorreram mudanças importantes nas formas de circulação e comunicação dos jovens.
Objetivo:
Compreender a organização dos espaços de sociabilidade e lazer, formas de circulação e de comunicação de uma população jovem residente em um território localizado na periferia da cidade de São Paulo, e a sua relação com as práticas e os significados relacionadas à sexualidade. Este estudo faz parte de uma pesquisa maior que objetiva avaliar a viabilidade e aceitabilidade do autoteste de HIV entre mulheres de 18 a 24 anos que vivem em comunidades com alta prevalência de HIV nas cidades de São Paulo e Porto Alegre.
Metodologia:
O estudo parte do pressuposto de que as redes sexuais de jovens tendem a se organizar geograficamente no contexto da comunidade, ou seja, é no local da residência e suas proximidades que se estabelecem, preferencialmente, as parcerias afetivo-sexuais entre homens e mulheres jovens. Comunidade aqui entendida como espaço geográfico, social e cultural configurado como um “território”, no qual os indivíduos compartilham valores, práticas, exposição comum a riscos de distintas naturezas e acesso a cuidados de saúde.
Para a produção de dados foram utilizadas diferentes técnicas, como: 1) observação etnográfica das áreas de interação social em termos de lazer (bailes, bares, locais para prática de esporte e grupos de jovens), trabalho e atividades da vida diária (mercados, igrejas); 2) entrevistas informais com jovens da comunidade; 3) entrevistas semiestruturadas com informantes-chave.
Resultados:
Morar do “outro lado da ponte” do rio Tietê é um primeiro demarcador que organiza os espaços de circulação e sociabilidade dos jovens da região estudada e define não só um limite geográfico, mas também simbólico. Localizada na periferia norte da cidade de São Paulo, a Vila Brasilandia é composta por vários territórios separados das áreas mais ricas da cidade pelo Rio Tietê. É uma das regiões mais pobres da capital, com altas taxas de violência e tráfico de drogas. Composta por vielas, becos e ruas estreitas; há poucos espaços públicos destinados ao lazer, e os equipamentos públicos de cultura não constituem pontos de encontro dos jovens, exceto quando promovem shows de música. Os serviços públicos de saúde também não costumam ser utilizados pelos jovens, que só buscam este recurso em situações extremas.
Ao mesmo tempo, essa região se caracteriza pela multiplicidade de espaços de sociabilidade criados pela própria população jovem, de modo menos ou mais organizado. São os chamados “rolês”, formas de interação de jovens com uma linguagem própria, nos quais “colam” ou frequentam distintos grupos. Há rolês de “diversão” e de “pegação”, embora seus limites possam se confundir. Por exemplo, as tabacarias e os eventos culturais identificados como de resistência fazem parte dos espaços de lazer ou “quebradas”, onde os jovens vão para se divertir, beber, fumar e conversar. Já os “pancadões” e bailes funk, constituem os “fluxos”, nos quais, além da bebida, outras drogas estão presentes e o “sexo ao vivo” pode acontecer.
A circulação nesses espaços de certa forma define como os jovens são representados: baderneiros, bom para namorar, só para ficar, etc... As redes socais são usadas para viabilizar encontros, divulgar eventos, fazer amizades e para situar quem é quem na “quebrada”, ou seja, o “histórico” de cada um/a. O uso de camisinha se relaciona a esse “histórico”, e é rapidamente dispensado se a garota tem um bom “histórico”: “eu posso ser sujo, mas ela tem que ser limpa”. Já no “sexo ao vivo” que acontece nos “fluxos”, a disponibilidade do preservativo é o elemento determinante para seu uso, mas cabe ao homem ser o portador.
Considerações Finais:
As interações afetivas e sexuais ocorrem preferencialmente nos locais de convívio cotidiano e nos locais de sociabilidade do bairro de residência, embora jovens de outras periferias da cidade também possam participar. As mulheres jovens se encontram em situação de vulnerabilidade acrescida pois iniciam sua vida sexual num contexto de grande desigualdade de gênero, dificultando as negociações para o uso de proteção nas relações sexuais.
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