30/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-16D - GT 16 - Experiências e políticas de saúde reprodutiva |
30122 - “DESCOLONIZAR O NOSSO CORPO”: CONCEPÇÕES SOBRE CORPO E PROCESSOS REPRODUTIVOS FEMININOS NA GINECOLOGIA NATURAL NA PERSPECTIVA DE GÊNERO ROBERTA SIQUEIRA MOCAIBER DIEGUEZ - UFRJ, FERNANDA DE CARVALHO VECCHI ALZUGUIR - UFRJ
Introdução
Este trabalho resulta de uma pesquisa de mestrado em desenvolvimento no Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ sobre as concepções de corpo e processos reprodutivos femininos por grupos de Ginecologia Natural, a partir dos estudos de gênero. Esses grupos são formados sobretudo por mulheres de camadas médias urbanas, e propõem o compartilhamento de informações sobre a estrutura e o funcionamento do corpo feminino, bem como seus processos de cura. Trata-se de um ideário que parte da crítica à medicalização como construção histórica que teria retirado das mulheres a autonomia sobre si, mantendo-as suscetíveis ao controle sobre seu corpo biológico.
Tal ideário funda-se no movimento feminista, no chamado “ecofeminismo”, que designa uma nova visão de mundo, desvinculada da lógica da dominação masculina. Os grupos de Ginecologia Natural também se alinham à ótica do “feminismo da diferença”, visto que buscam igualdade a partir da manutenção da diferença entre os sexos e de uma espécie de inversão hierárquica que visa positivar valores associados ao feminino. No entanto, mantém-se inquestionado o primado da diferença entre os gêneros a partir da noção de uma natureza feminina ancorada em um corpo biológico.
O objetivo geral do trabalho é analisar as concepções sobre o corpo feminino e seus processos reprodutivos em manuais e materiais de referência utilizados por grupos de Ginecologia Natural.
A partir dos estudos de gênero, a metodologia consiste em uma pesquisa documental de 17 “manuais” e materiais de referência para a prática da Ginecologia Natural.
Os documentos foram levantados em dois grupos de Ginecologia Natural a partir de pistas obtidas em uma etapa exploratória inicial que consistiu em pesquisa de informações disponibilizadas nos grupos na rede social Facebook e na observação participante de três eventos divulgados na mesma rede.
Os documentos incluídos na análise são aqueles que abordam o corpo feminino na ótica da Ginecologia Natural, assim como aqueles que permitem uma contextualização histórica desses grupos. Foram excluídos arquivos duplicados e que abordavam outros assuntos, como alimentação, pompoarismo, dentre outros.
Foi realizada uma análise de conteúdo que consistiu na identificação dos principais temas presentes no material e na análise de dados linguísticos, em que os elementos são identificados, numerados e categorizados.
Resultados
Foram levantados os seguintes eixos de análise principais: medicalização e resistência; autonomia e poder; hormônios; menstruação e ciclo lunar.
A crítica à medicalização do corpo feminino é um ponto chave. Enfatiza-se a autonomia e a ideia de resgate de “poder”, que teria sido retirado das mulheres devido àquele processo. A busca pela autonomia se dá marcadamente através do estudo sobre a anatomia e fisiologia do corpo feminino e do autoexame ginecológico, feito com o auxilio de um espéculo. Essas observações nos levam a questionar se se trata de um processo de desmedicalização ou de remedicalização sob nova ótica.
Outro ponto importante é a não recomendação do uso de hormônios sintéticos, o que muitas vezes se manifesta de forma implícita. Trata-se de uma crítica a uma medicina dita “masculina” que não seria capaz de compreender o corpo “cíclico” das mulheres. Esse fato também se baseia na valorização da plena vivência do ciclo menstrual, o qual é constantemente associado ao funcionamento do ciclo lunar, reforçando a suposta conexão entre as mulheres e uma ideia de natureza como valor.
O discurso dos manuais reforça a ideia de corpos masculinos e femininos incomensuravelmente distintos e a positivação de valores associados ao feminino. Com isso, essencializa-se o corpo feminino, ancorando-o a uma natureza universal outrora questionada pelo movimento feminista (anos 1960/70), que buscava desvincular o sexo biológico do gênero, o qual seria socialmente construído. A crítica ao determinismo biológico empreendida pelo movimento feminista se fundamentava na problematização da justificação histórica das desigualdades de gênero a partir da noção de diferença natural entre homens e mulheres.
Considerações finais
A análise levanta importantes discussões no que diz respeito ao corpo e os processos reprodutivos femininos em grupos de Ginecologia Natural na perspectiva da construção do gênero. Trata-se de um conhecimento em constante construção e debate. O movimento feminista teve e tem importante participação na transformação da desigualdade social de gênero com o objetivo de garantir melhores condições de vida às mulheres. No entanto, se trata de um movimento heterogêneo, cujos diferentes eixos podem discordar em diversos assuntos. Sem desconsiderar a relevância dos grupos de Ginecologia Natural na perspectiva da defesa aos direitos reprodutivos, problematizamos as armadilhas da construção da diferença sexual amparada em uma naturalização de noções como sexo, gênero, mulher, corpo reprodutivo e natureza a partir do determinismo biológico.
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