28/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-16B - GT 16 - Gestação, parto e violência obstétrica |
30925 - EXPERIÊNCIA DE UMA ENFERMEIRA OBSTETRA NO CAMPO DE PESQUISA DE MESTRADO COM PARTEIRAS INDÍGENAS PANKARARU: O BEM VIVER VOLTADO AO PARTO LILIAN SILVA SAMPAIO DE BARROS - SES/PE, MOISÉS DE MELO SANTANA - UFRPE
Contextualização: Minha experiência como enfermeira obstetra deu-se prioritariamente através da assistência ao parto na rede hospitalar pública. Graduada em 2002, residente até 2004 e servidora pública desde 2005, iniciei na gestão do Programa de Parteiras Tradicionais implementando ações de cadastramento, educação, cessão de material de parto domiciliar e vinculação das parteiras (PT) no SUS. Em Pernambuco há PT tradicionais, indígenas e quilombolas, da região metropolitana até o sertão. Durante visita institucional as PT indígenas Pankararu em 2012 no Sertão de Itaparica, pude identificar a organização interna da comunidade para conservação do saber tradicional do partejar através da condição de eleição de uma aprendiz de PT. O papel como gestora provocou a busca em outros povos indígenas e não indígenas que possuísse uma organização semelhante, mas não tive sucesso. Em 2016 fui aprovada no PPGECI com projeto que vislumbrava entender como a PT indígena Pankararu ensinava sua aprendiz. Em 2018 pós qualificação, enveredei metodologicamente para a elaboração de uma etnografia na educação. Quanto ao orientador da pesquisa, sua experiência como filósofo e pesquisador dos fenômenos educativos, a partir de uma abordagem transcultural e transdisciplinar, tem possibilitado criar novos e inusitados campos de compreensão da diversidade cultural humana. O trabalho de investigação sobre as aprendizes de PT Pankararu apresenta um conjunto muito significativo de elementos que expressam a riqueza e a pertinência da instauração de novos paradigmas de pesquisa, baseados no transculturalismo crítico. Descrição: Ao transitar no campo de pesquisa na terra indígena, tive que estar preparada para essa etapa e aberta para observar as práticas culturais e a diversidade e sentidos desse povo, algo não exercitado na formação na área da saúde. A ênfase sobre a saúde, doença e cuidado, premissas do ensino da enfermagem, deram lugar ao olhar holístico sobre a realidade, o contexto de vida da comunidade, a alteridade, o pensar transdisciplinar de um campo sem as fronteiras rígidas. A hegemonia do conhecimento científico cristalizado no período de formação passou por uma completa desestruturação com a vivência prática do campo que ocorreram pelo menos uma vez por mês nos meses de julho 2018 a março de 2019, com exceção do mês de dezembro. Sair do contexto hospitalocêntrico e partir para assistência ao parto domiciliar no contexto da educação foi um desafio no sentido da aproximação com suas epistemologias. As rotinas da comunidade como festas tradicionais, comidas religiosas, a escuta de toantes e orações, o cuidado às gestantes, a ouvida de narrativas de partos e nascimentos através da história oral; a convocação das mulheres para iniciarem o ofício de PT, aprendizes que têm na sua ancestralidade PT que pegaram grande parte dos adultos que hoje estão no território; o reconhecimento e a valorização do papel da PT pela comunidade e a adesão das mulheres da etnia ao parto domiciliar mesmo diante da sociedade que incentiva o parto cesáreo e o SUS que encaminha as mulheres para o parto hospitalar “seguro”, se mostraram como uma resistência aos ditames científicos como uma estratégia de preservação do saber tradicional e da sustentabilidade do próprio povo. As iniciativas que trazem como base a busca da sustentabilidade, do equilíbrio pessoal, da valoração do costume local, do ponto de vista coletivo se parece com a proposta do Bem Viver. As comunidades indígenas podem ser tidas como o exemplo mais próximo que a sociedade brasileira tem desse conceito e mesmo ciente dessa perspectiva, não imaginava que a estratégia do bem viver seria aplicada na assistência ao parto nesse povo. Os Pankararu tem significativa aproximação com o homem branco, contudo, é a etnia que possui maior número de partos domiciliares em Pernambuco. Isso tem se dado pelo enfrentamento das mulheres ante aos profissionais de saúde local para que estes respeitem e acolham sua escolha de parir em casa. A ausência de casos de morte materna tem ratificado a segurança de estar bem assistida no seu local de moradia com uma equipe de PT tradicionais e por aprendizes em formação. Período: Julho/2018 a março/2019. Objetivo: Relatar a experiência de uma enfermeira obstetra no campo de pesquisa com Parteiras Indígenas Pankararu. Resultados: A vivência no campo de pesquisa possibilitou-me a afetação; a observação da insterseccionalidade na condição da mulher indígena; a transdiciplinaridade no ensino das aprendizes; a verificação da luta de mulheres que lançam mão de recursos internos para que seus filhos nasçam em casa, com respeito, diálogo entre ela e seu povo, a partir de uma assistência não violenta, numa rede de PT local, coletivamente construída. A ausência na formação de dimensões mais humanas dificultam o experimento e a visão do profissional da saúde de estratégias locais as quais ele pode interferir negativamente, restringindo as comunidades nas suas maneiras de Bem Viver.
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