28/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-16B - GT 16 - Gestação, parto e violência obstétrica |
31514 - A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA TEM COR: O RACISMO INSTITUCIONAL ORQUESTRANDO A ASSISTÊNCIA AO PARTO DE MULHERES NEGRAS GIOVANNA DE CARLI LOPES - UFBA
Introdução: A expressão “violência obstétrica” é utilizada com o objetivo de descrever e contemplar as várias formas de violência e violação de direitos praticados por profissionais ou instituições de saúde durante o cuidado obstétrico, seja ele no pré-natal, parto ou puerpério. A violência obstétrica é fruto de uma série de processos históricos que se iniciam a partir da apropriação do corpo feminino pela medicina, da institucionalização do parto e das diversas intervenções desenvolvidas visando deslegitimar o conceito de parto como um evento fisiológico, que acabou culminando na criação de uma série de normas, rotinas e procedimentos que descaracterizam e objetificam o corpo feminino, destituindo a mulher do seu protagonismo, individualidade e sexualidade, tornando-a submissa ao processo de parir. Assim como as iniquidades raciais se manifestam e se estruturam na sociedade e sendo os serviços de saúde parte integrante dessa estrutura, na assistência ao parto essas iniquidades se expressam, portanto, de igual forma. Mesmo que a violência obstétrica no Brasil tenha atingido proporções alarmantes – uma a cada quatro mulheres sofre violência durante o parto – é preciso qualificar esse indicador para que possamos entende-lo. Uma maneira de fazê-lo é através de um olhar interseccional. A partir do cruzamento desses marcadores verifica-se que a violência obstétrica tem cor, uma vez que as mulheres pretas e pardas são as principais vítimas e o racismo institucional o principal mecanismo a forjar essa situação.
Objetivos: Realizar uma reflexão teórico-crítica a respeito da desigualdade racial na prática da violência obstétrica sob a premissa do racismo institucional como o principal mecanismo a forjar essa situação.
Metodologia: Trata-se de uma pesquisa teórico-reflexiva que tem como finalidade maior embasar teórico e cientificamente a tese de doutorado da autora.
Resultados e discussão: O racismo institucional, diferentemente do racismo e da discriminação racial, não se manifesta em atos explícitos ou declarados de discriminação, o racismo institucional age de maneira difusa no funcionamento das instituições, que operam com relação a distribuição de oportunidades, benefícios e serviços de maneira diferenciada, pautadas sob o ponto de vista racial, extrapolando as relações interpessoais e enraizando-se no cotidiano institucional. Pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo em 2010 corrobora o enfoque racial da violência obstétrica, pois revelou que durante o atendimento ao parto as mulheres que mais sofreram violência obstétrica foram mulheres negras, com uma proporção de 43% (pretas 14% e pardas 29%); as mulheres brancas contabilizaram 24% dos casos. Outra pesquisa brasileira, também de abrangência nacional, que buscou compreender as desigualdades sociais e a satisfação das mulheres com o atendimento ao parto, apontou que a violência verbal, psicológica ou física foi mais prevalente nas mulheres negras em comparação com as brancas (pretas 6,6%, pardas 6,0% e brancas 5,5%). Além disso, todos os outros indicadores pesquisados, a saber: tempo de espera até ser atendida, respeito dos profissionais, privacidade no trabalho de parto e parto, clareza nas explicações, tempo disponível para fazer perguntas, participação nas decisões e satisfação com o atendimento ao parto, foram avaliados como “excelente” em maior proporção por mulheres brancas em comparação às mulheres pretas e pardas. Todos os elementos supracitados, relativos ao tempo de espera até ser atendida, respeito dos profissionais, privacidade no trabalho de parto e parto, clareza nas explicações, etc. denunciam a teia do racismo institucional, que se pauta em um emaranhado de mecanismos que desfavorece e prejudica mulheres negras na vivência plena do seu processo de parto.
Considerações Finais: Quando o cenário das iniquidades é pensado sob o contexto da assistência ao parto, tem-se uma interseccionalidade de atravessamentos, ditada pelo viés de raça, classe e gênero. Uma vez que quando a mulher consegue acessar o serviço de saúde, comandado, em sua maioria por homens (médicos), ela necessariamente precisa se submeter às normas, rituais e procedimentos impostos pela instituição, que são muito mais rígidos e desvantajosos para as mulheres negras e pobres. É importante salientar que esse cenário nada mais é do que a reverberação da estruturação da sociedade, que é pautada em um sistema racista-capitalista-patriarcal, que visa a subordinação de raça, classe e gênero para a manutenção da hegemonia. Desse modo, a marca racial se torna uma categoria de análise imprescindível no estudo das mais diversas esferas da sociedade brasileira, sendo a saúde pública uma delas, em especial a saúde obstétrica. Além disso, é fundamental a compreensão dos mecanismos que orquestram o racismo institucional, de modo a gerar subsídios que fomentem a criação de políticas públicas de discriminação positiva visando uma assistência obstétrica livre de violências e de iniquidades.
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