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Grupos Temáticos

29/09/2019 - 15:00 - 16:30
CB-16B - GT 16 - Experiências e políticas de saúde reprodutiva

30255 - “QUEM PARIU, QUE BALANCE!”: HISTORIAS DE VIOLÊNCIA E ABANDONO ENTRE MULHERES DA ZONA NOROESTE DE SANTOS E A MORTALIDADE NEONATAL.
MACARENA URRESTARAZU DEVINCENZI - UNIFESP, LILIA BLIMA SCHRAIBER - USP


Introdução: no município de Santos as taxas de mortalidade infantil tem permanecido em torno de 14 a 15 por mil nascidos vivos, acompanhando a região da Baixada Santista que apresenta os maiores valores do Estado de São Paulo, sendo o componente neonatal o mais frequente. O município apresenta distribuição socioespacial em quatro regiões: orla, morros, zona noroeste e centro, que expõem a população a vulnerabilidades distintas e evidenciam iniquidades no acesso e cuidado em saúde. A análise da evitabilidade dos óbitos neonatais, conduzida pelo comitê municipal de prevenção ao óbito materno e infantil, classifica predominantemente os casos como sendo reduzíveis por adequada atenção a gestação, ao parto e ao recém-nascido. Mas, para além dos aspectos técnico-assistenciais, de protocolos e condutas já bem estabelecidas para o cuidado materno-infantil, cabe uma análise que considere a história e contexto de vida das mulheres. Em especial cabe verificar qual o papel que ocupa, na rede de causação da mortalidade neonatal, o leque de violências vividas por essas mulheres, seja a institucional-obstétrica, seja a doméstica por parceiro íntimo, uma vez que a literatura aponta nessa direção.
Objetivo: analisar a trajetória de vida e de cuidado de mulheres residentes na Zona Noroeste (ZNO) do município que passaram pela experiência de óbitos neonatais nos anos de 2015 e 2016.
Metodologia: realizou-se triangulação de dados de documentos da seção de vigilância de óbitos infantis, diários de campo de visitas aos serviços de pré-natal e entrevistas com as mulheres. Estas constituíram o principal eixo da produção de dados empíricos, através de narrativas sobre a história sexual e reprodutiva, cuidado pré-natal, ao parto e a experiência do óbito neonatal.
Resultados e Discussão: a vulnerabilidade da região, iniquidade e direito a cidade: a ZNO com a maior favela em palafitas, no município de Santos que ocupa o sexto lugar do ranking das cidades brasileiras com melhor índice de desenvolvimento humano; a questão racial, conflitos entre os registros e a auto declaração; a história reprodutiva e a maternidade das oito mulheres revelaram gestações indesejadas, insatisfação com métodos, associação com situações de risco gestacionais (incompetência istmo-cervical, hipertensão, infecções, gemelaridade, obesidade) e falta de integralidade do cuidado em saúde (desvalorização de queixas e intercorrências, falta de integração entre os níveis de atenção, transferência por falta de leito em UTI neonatal). Em dois casos, Dalva, 20 anos e Karen, 35 anos, entrelaçaram-se situações de violência doméstica na infância e abandono na adolescência. E em comum ambas são de famílias nordestinas que migraram para a ZNO de Santos. “Quem pariu, que balance!” é a fala da avó que não acolheu a mãe de Dalva, que saiu de casa por apanhar do marido em Alagoas. Dalva e seu irmão eram pequenos e foram morar na rua com sua mãe, que trabalhava na feira e conheceu outro companheiro com quem teve outra filha. Separou-se e veio com os 3 filhos para Santos, que uma amiga disse que a vida era melhor. Karen revelou sobre a relação de seu pai com sua mãe “era ruim, era bem ignorante, jogava o prato...perturbou muito ela, vai atrás de macho”. Falaram sobre sua vida sexual, relacionamentos, insatisfação, traição e violência por parceiro íntimo. Os serviços de saúde “apoiaram” com anticoncepção injetável, não há menção a outros métodos. Falhas e novas gestações. No contato durante o pré-natal, que seria uma oportunidade, a violência não apareceu. As mulheres buscaram os caminhos institucionais, delegacia da mulher, assistência social, mas apontam incapacidade de resposta. O óbito neonatal acrescentou a culpa e a solidão. E após essa experiencia, Karen teve chikungunya que a deixou com sequelas motoras, não consegue trabalhar e ficou sem a guarda dos filhos. Dalva fuma, bebe, tem receio da trombose que o médico falou, não consegue ficar numa relação afetiva duradoura.
Considerações finais: a pesquisa conseguiu captar o peso das interseccionalidades nas histórias de vida das mulheres e mostrou a invisibilidade da violência pelo setor saúde. Em termos de pesquisas futuras, a forte presença de gravidez indesejada nessas histórias aponta para a necessidade de levantar informações sobre violências vividas durante a gestação e fora delas, na vida familiar e nas instituições, o que raramente é pesquisado em se tratando de mortalidade neonatal. O mesmo vale para outras iniquidades sociais que entrecruzam vulnerabilidades para além da mais estudada, tal qual a de caráter socioeconômico como a pobreza. Já em termos da contribuição dos estudos científicos para as políticas públicas, é de se indagar: como estas vão levar em conta essas vulnerabilidades? O enfrentamento da mortalidade neonatal passa pelo cuidado integral, que considere globalmente as condições de vida das mulheres e que vá mais além das desigualdades socioeconômicas.
Financiamento: FAPESP

local do evento

Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

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