29/09/2019 - 15:00 - 16:30 CB-16C - GT 16 - Violência Obstétrica e outros saberes no cuidado da gestação e parto |
29845 - CONSENSOS E DIVERGÊNCIAS EM TORNO DO CONCEITO DE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA JAQUELINE FERREIRA - INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA, UFRJ
O que é violência obstétrica? Não há consenso sobre a definição desse termo. O que se tem de concreto é que o descaso e o desrespeito com as gestantes na assistência ao parto, tanto no setor público quanto no setor privado de saúde, têm sido cada vez mais divulgados pela imprensa e pelas redes sociais por meio de relatos de mulheres que se sentiram violentadas.
Este trabalho propõe-se a discutir os consensos e divergências em torno do conceito e que revelam como os diversos campos: médico, político, jurídico e movimentos sociais em disputa. Trata-se de parte de uma investigação mais ampla sobre as representações dos médicos sobre o elevado número de cesáreas no Brasil. Os dados apresentados aqui referem-se à entrevistas, observações de sessões clínicas, análise de documentos e revisão bibliográfica sobre o assunto.
A expressão Violência Obstétrica é fruto dos movimentos das mulheres a partir de 2007, embora esse tema esteja desde as décadas de 1980 a 1990 no âmbito das discussões em prol da humanização do parto. Antes as agressões e intervenções desumanizadoras durante o parto se classificavam no âmbito de "violência institucional".
Na literatura acadêmica também não se encontra uma definição única para a violência obstétrica. Alguns definem a violência contra mulheres nas instituições de saúde e discutem em maior detalhe sobre quatro tipos de violência: negligência (omissão do atendimento), violência psicológica (tratamento hostil, ameaças, gritos e humilhação intencional), violência física (negar o alívio da dor quando há indicação técnica) e violência sexual (assédio sexual e estupro). Outros autores definem a violência obstétrica como violência psicológica, caracterizada por ironias, ameaça e coerção, assim como a violência física, por meio da manipulação e exposição desnecessária do corpo da mulher, dificultando e tornando desagradável o momento do parto. Incluem condutas como mentir para a paciente quanto a sua condição de saúde para induzir cesariana eletiva ou de não informar a paciente sobre a sua situação de saúde e procedimentos necessários.
A violência obstétrica está atrelada à violência de gênero e outras violações de direitos cometidas nas instituições de saúde contra suas usuárias. Nesse sentido, ela faz parte da violência institucional, exercida pelos serviços de saúde, e se caracteriza por negligência e maus-tratos dos profissionais com os usuários, incluindo a violação dos direitos reprodutivos, a peregrinação por diversos serviços até receber atendimento e aceleração do parto para liberar leitos, entre outros.
As divergências em torno do conceito mereceu inclusive uma manifestação do Conselho Federal de Medicina na resolução 32/2018: " A expressão "violência obstétrica" é uma agressão contra a medicina e à especialidade de ginecologia e obstetrícia, contrariando conhecimentos científicos consagrados, reduzindo a segurança e a eficácia de uma boa prática assistencial e ética"
Recentemente, no dia 03 de maio, o Ministério da Saúde se pronunciou por meio de um despacho, propondo a abolição do termo "violência obstétrica". por considerá-lo "inapropriado". Isso causou estranheza e reações por meio das organizações em prol da humanização do parto e movimentos feministas orientados à saúde da mulher uma vez que o termo é consagrado, empregado na literatura nacional e internacional e reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (2014).
Segundo as ativistas, o que incomoda é que o termo foi impulsionado pelos movimentos feministas, pois até então, situações de violência que ocorriam no parto, era uma "sensação sem lugar" Para elas, negar que ela existe, não nos ajuda. Negar a violência é uma violência reiterada: "nomear é um discurso pedagógico, pois ajuda a mudar, ajuda a rever. Os perpetuadores de violência, evidentemente não vão concordar com isso.
Para organizações que estudam e combatem a violência obstétrica, a normativa pode deixar mulheres mais vulneráveis. "Essa discussão fez muitos médicos repensarem procedimentos para não serem processados. Agora, pode ser que esses profissionais pensem que não haverá punição por violência obstétrica", por exemplo. Além disso, a postura do ministério pode criar um obstáculo para processos em andamento, dificultando, talvez, a identificação de crimes associados aos procedimentos abusivos em torno do parto.
Para que essas mudanças aconteçam, é importante que haja a demarcação do conceito de violência obstétrica e assim se esclareça à população sobre o assunto, sendo possível reconhecer esse fenômeno e denunciá-lo. Destaca-se a necessidade de uma legislação que defina e criminalize a violência obstétrica, já que o Brasil não conta com marcos legais que a delimitem e facilitem a proposição de ações que enfrentem essa situação.
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