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Grupos Temáticos

29/09/2019 - 15:00 - 16:30
CB-16C - GT 16 - Violência Obstétrica e outros saberes no cuidado da gestação e parto

30163 - TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO: VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E DESIGUALDADE ÉTNICO-RACIAL
DANIELLE ICHIKURA OLIVEIRA - FSP-USP, JOSE MIGUEL NIETO OLIVAR - FSP-USP


No ano de 2010 inicio minha jornada como estudante de graduação no curso de Obstetrícia da Universidade de São Paulo. O primeiro contato dos alunos em campo se dá via estágio observacional em sala de parto, processo que vivi em 2014: mulher negra, parto em posição ginecológica, pernas amarradas, sem acompanhante, 5 residentes ao redor, episiotomia bilateral, Kristeller, fórceps sem indicação clínica, deixada sozinha após o nascimento. Assisti a este parto no Hospital Universítário da USP, onde pela primeira vez me deparei com uma cena de “violência obstétrica”.
No segundo semestre de 2015 estive em um hospital maternidade na Zona Leste de São Paulo, gestão SUS referência para a comunidade boliviana. Neste local realizava a triagem das mulheres: acolhimento, avaliação clínica, internação quando diagnosticado trabalho de parto ativo e encaminhamento para o centro de parto normal ou centro obstétrico de acordo com o grau de risco informado no cartão de pré natal e as condições clínicas da díade “mãe-bebê”. Tal instituição mantinha parceria direta com universidades públicas e privadas, o que gerava tensão entre os residentes de medicina e outras áreas da saúde. Algumas mulheres recebiam cuidados demasiados e outras não recebiam cuidados mínimos necessários, o segundo grupo geralmente composto por mulheres bolivianas, demonstrando o caráter xenofóbico e racista do serviço.
Meu objetivo durante o processo foi compreender a “violência obstétrica” sofrida por mulheres bolivianas em um hospital público na zona leste de São Paulo, para assim avançar na produção de conhecimento sobre o lugar das relações étnico-raciais da assistência ao parto e seus desdobramentos.
Durante essa experiência pude perceber que a violência institucional começa a acontecer com as mulheres bolivianas a partir do momento da recepção no hospital. Desde comentários pejorativos da equipe de segurança, passando pelo tom rude das recepcionistas com a demora para abrir ficha em sistema, pedindo silêncio para a mulher durante o momento das contrações uterinas e demorando a entregar suas fichas cadastrais para a equipe de enfermagem, independentemente do grau de urgência referido pela usuária.
Após a entrada no serviço de saúde, as mulheres bolivianas são destituídas de identidade, e seus nomes são resumidos constantemente ao termo “bolívia”, os companheiros impedidos de acompanhar o exame clínico na triagem e costumeiramente não acompanhavam o nascimento dos filhos pois eram esquecidos, aguardando notícias na recepção.
Dos casos mais emblemáticos que acompanhei neste serviço, destaco o de uma mulher que passou a noite em “observação” na sala de medicamentos do pronto socorro quando assumi o plantão. A enfermeira responsável informou que ela e seu companheiro deram entrada no hospital com quadro de hipertensão e sangramento. A preceptora do estágio nos acompanhou para avaliá-la, encontramos um intenso volume de sangramento e ausência de batimento cardíaco fetal. Transferimos o caso imediatamente para a equipe médica, a mulher foi levada para cesariana de emergência e como desfecho houve óbito neonatal e histerectomia devido a descolamento total de placenta.
A partir deste recorte de experiências pude desenvolver olhar crítico sobre assistência ao parto e nascimento e visualizar a amplitude do termo “violência obstétrica”. Ela pode também ser entendida como uma expressão de violência institucional, caracterizando-se por negligência e maus-tratos dos profissionais com as usuárias, fatos que presenciei cotidianamente nos serviços de saúde por onde transitei. Formulei questões que pulsam no sentido de desejar compreender como se dá a percepção desta forma de violência sob o olhar das mulheres que são atravessadas em seus corpos pela experiência. Como elas sentem os processos vivenciados dentro da instituição e como isso é elaborado em suas vidas e com sua comunidade? Como mulheres de outras condições étnico-raciais vivenciam tais processos?
Como desdobramento dessa experiência, e a partir de meu ingresso na Faculdade de Saúde Pública, sigo com um projeto de pesquisa que busca compreender a violência atrelada à gravidez e ao parto em termos de suas articulações com processos de racialização e etnicização; particularmente, a sofrida por mulheres indígenas na cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM), para assim avançar no conhecimento sobre o lugar das relações étnico-raciais, articuladas com gênero, na produção da “violência obstétrica”.
Espero em breve compartilhar o relato também desta nova pesquisa e honrar com todos os aprendizados e questionamentos que minha trajetória na obstetrícia despertaram e seguem florescendo. Por todas as mulheres que vieram e virão.

local do evento

Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

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