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29/09/2019 - 15:00 - 16:30
CB-16C - GT 16 - Violência Obstétrica e outros saberes no cuidado da gestação e parto

30175 - CUIDADOS DE UMA PARTEIRA TRADICIONAL E A SAÚDE MENTAL NA GESTAÇÃO, PARTO, E PÓS-PARTO: O EXEMPLO DE DONA FLOR
JULIANA FLORIANO TOLEDO WATSON - UNB, MUNA MUHAMMAD ODEH - UNB


Introdução
O modelo biomédico de atenção a saúde hospitalizou e patologizou o parto. Assim o parto foi saindo da esfera doméstica para a esfera hospitalar, rompendo as redes comunitárias de cuidado da mulher e da/o bebê. A caça às bruxas teve como objetivos a institucionalização, masculinização e elitização do saber, para tanto dominando os saberes locais através da invisibilização, apropriação, perseguição e destruição das condições para sua existência (Shiva V, 2003; Gomes M, 2009, Fredericci S, 2010). Séculos de colonização reprimiram conhecimentos de saúde de povos negros e indígenas, da utilização de ervas às práticas espirituais (Gomes M, 2009). O racismo científico com suas estratégias epistemicidas (Carneiro S, 2005) tentou por fim às práticas das parteiras, que resistiram até os dias de hoje.
Os saberes tradicionais e populares partem de uma perspectiva de um todo integrado. O bem viver enquanto projeto comunitário canaliza saberes ancestrais resgatando e recriando a interconexão de todos os seres (Lacerda R, Feitosa S, 2015). A luta por manter esse projeto é parte da saúde mental das pessoas (Rückert B et al., 2015; Fanon F, 1983).
As parteiras tradicionais têm em suas práticas inúmeros cuidados que favorecem a saúde mental das gestantes e sua rede mais próxima, familiares, amigxs, etc. São cuidados específicos com raiz na evidência de toda uma linhagem ancestral que nenhumx outrx profissional na área tem. Dona Flor, parteira e raizeira quilombola da comunidade Moinho, Alto Paraíso de Goiás, aos seus 82 anos é grande referência do partejar tradicional. Mãe Flor, como é conhecida na comunidade, ensina o partejar com amor.

Objetivos
Apresentar quais cuidados que dona Flor recomenda e/ou tem com gestantes e sua rede que favorecem a saúde mental delas.

Metodologia
Em 2014 iniciei uma pesquisa com Dona Flor (Parecer número 1.335.384 CEP/FS-UNB), tendo minha relação se estabelecido com ela expressamente como pesquisadora e aprendiz. A metodologia se deu através noção de educação biocêntrica, proposta por Ruth Cavalcante (2007), de uma prática pedagógica mais afetiva, reflexiva e vivencial. Acompanho dona Flor desde 2014 até hoje nos cursos que organizo com ela. Também a acompanho em seu cotidiano, fazendo medicinas junto com ela, recebendo quem a procura em sua casa, e em alguns partos. Assim, as reflexões aqui apresentadas são ao mesmo tempo relato de pesquisa e relato de experiência.

Resultados e discussão
Durante a gestação são inúmeros cuidados físicos e relacionais que envolvem o partejar tradicional. A escuta atenta ao que é dito e não dito e as perguntas aguçadas sobre a condição da gestante são sempre seguidas de um conselho a partir da própria experiência. Dona Flor criou 13 filhxs paridxs por ela em casa, e costuma usar suas histórias para aconselhar e confortar as mulheres. A sabedoria da mestra é infinita, presenciei o relato de gestantes que voltaram após anos a sua casa apenas para agradecer “aquela frase” “aquela história” dita na hora certa. O conselho através da própria experiência gera empatia e empodera as mulheres que se reconhecem capazes e tocadas pelas histórias de dona Flor. E não é só para as mulheres o recado, dona Flor faz questão de conversar com maridx, filhxs, sogra, mãe, todxs que estão próximxs para orientar sobre os cuidados durante gestação, parto e pós-parto: a mulher precisa comer bem, não pode passar raiva, tem que ter carinho com ela, paciência.
Os traumas de períneo, seja por meio de episiotomia ou de laceração espontânea, estão entre as principais reclamações de mulheres após o parto, às vezes com consequência por vários anos(Santos et all, 2019). Afeta profundamente a saúde mental das mulheres, sua autoestima, relação com o prazer, relações amorosas, além das consequências físicas como incontinência urinária, dores, inflamações. Em todos os 333 partos acompanhados por Dona Flor nenhuma mulher precisou de sutura, no máximo teve lacerações leves que os cuidados naturais no pós-parto foram suficientes para uma boa cicatrização. A integridade do períneo é fruto de práticas de cuidado específicas durante a gestação, parto e pós-parto.
O resguardo é um conjunto de cuidados de raiz popular e tradicional a serem tomados pela mulher recém parida acompanhada de rede de apoio. Segundo a evidência popular a quebra de resguardo pode acarretar graves sequelas físicas e mentais para a mulher. Para além de todos os benefícios físicos resultantes das práticas sugeridas por dona Flor durante o resguardo, a dinâmica social de acolhimento gerada nesses cuidados é vital para saúde mental da puérpera e o cuidado dx recém nascidx.

Considerações Finais
A parteira é insubstituível, seus cuidados e acompanhamento às mulheres e sua família constituem um suporte fundamental para a saúde física e mental das mesmas. São práticas específicas guiadas por saberes ancestrais com evidência popular que em conjunto tocam a integralidade do ser.

local do evento

Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

Campus Central

A Universidade Federal da Paraíba é reconhecida pela sua excelência no ensino e em pesquisas tecnológicas e, atualmente, encontra-se entre as melhores Universidades da América Latina.

Campus I - Lot. Cidade Universitaria, João Pessoa - PB, 58051-900