29/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-20B - GT 20 - IST/HIV/Aids, desafios e atores da assistência e prevenção |
30352 - DEMANDAS DE MULHERES TRANS/TRAVESTIS NA BAIXADA FLUMINENSE A SERVIÇOS DE SAÚDE: QUAL O LUGAR DA AIDS? SIMONE MONTEIRO - IOC/FIOCRUZ, MAURO BRIGEIRO - IOC/FIOCRUZ
INTRODUÇÃO: No Brasil, o quadro da vulnerabilidade social da população trans/travesti tem sido ilustrado pelos preocupantes índices de exclusão e violência, pelos graves problemas de saúde mental e pela alta prevalência do HIV. No âmbito dos serviços de saúde, estudos nacionais assinalam situações de discriminação, não realização de exames físicos, dificuldade de entendimento das orientações médicas e, principalmente, o não respeito ao nome social. Tais problemas vêm ganhando visibilidade nas últimas décadas em grande medida pela atuação política do movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis, Transexuais e Transgêneros) e tem resultado na proposição de jurisprudências e políticas públicas voltadas para cidadania e atenção em saúde desses segmentos sociais, incluindo os cuidados referentes à epidemia de HIV/Aids. OBJETIVO: Esse trabalho visa discutir as demandas de mulheres trans/travestis aos serviços de prevenção da Aids em um marco mais amplo de expectativas e reivindicações dirigidas por elas aos serviços de saúde. Trata-se de um estudo qualitativo, informado pelas contribuições das ciências sociais no entendimento das relações entre práticas, estruturas sociais e sistemas culturais. METODOLOGIA: Em 2016, foram realizadas entrevistas com nove mulheres trans/travestis, de 23-45 anos, pertencentes às camadas populares e moradoras da Baixada Fluminense (RJ). Foram também realizadas observações de contextos de prostituição e sociabilidade. Suas trajetórias guardam semelhanças quanto ao afastamento da família de origem na adolescência e às ocupações de baixa remuneração e/ou na prostituição. Todavia, há variações nas suas experiências de transição de gênero e de discriminação, segundo as diferentes gerações e momentos de vida, haja vista as mudanças nas normas e costumes sexuais e nas políticas de saúde para pessoas LGBT ao longo dos anos. RESULTADOS e DISCUSSÃO. Tendo como parâmetro as agressões experimentadas ao longo da vida, as narrativas das entrevistadas destacam avanços sociais em termos de reconhecimento e inclusão social. No contexto do atendimento de suas demandas aos serviços de saúde -- para resolver problemas variados ou para realizar a transição de gênero --, elas disseram que não foram discriminadas por sua condição; todavia atestam a resistência dos profissionais ao uso do nome social. Essa situação constrangedora e os problemas estruturais do Sistema Único de Saúde (SUS) descritos tendem a ser minimizados em função da agência que as trans/travestis possuem para obter atendimento. Isso se evidencia, por exemplo, quando acionam suas redes de contatos na rede de saúde e da administração pública e quando demonstram consciência de seus direitos. No que se refere aos serviços de prevenção do HIV/Aids, observamos a escassez da busca espontânea. Apenas uma recorreu ao centro de testagem em função do diagnóstico de HIV positivo de seu parceiro e outra soube da sua soropositividade após uma consulta de rotina na rede básica. As demais descrevem a testagem do HIV como procedimentos subordinados a consultas de saúde para outros fins, relativos à transição de gênero ou intercorrências gerais. Isso não significa uma baixa percepção de risco e sim um intenso temor do resultado do teste. A infecção pelo HIV é relatada como uma possibilidade latente. Suas explicações apontam para um entrelaçamento da Aids com uma avaliação moral de suas práticas (ex. sexo anal, prostituição). A metáfora da infecção pelo HIV como “uma sombra que nos acompanha”, citada por uma entrevistada, expressa essa associação. Durante o trabalho de campo, notamos ainda que ações de testagem do HIV itinerante se tornavam uma oportunidade para atender algumas das demandas em saúde das mulheres trans/travestis, como aferição de pressão, curativos e marcação de consulta. Tais dados assinalam a importância da perspectiva da integralidade em saúde para a atenção e cuidado dessa população. CONCLUSÃO: A análise sobre o lugar da Aids nas demandas de mulheres trans/travestis da Baixada Fluminense aos serviços de saúde indicam a existência de obstáculos de ordem subjetiva para acessar os serviços de diagnóstico e prevenção do HIV. Tais barreiras não decorrem da ausência da percepção de risco ao vírus da Aids. Elas derivam da do receio do estigma e da internalização de que suas práticas sexuais estão associados à infecção pelo HIV. Os resultados reiteram que a compreensão e reconhecimento dos efeitos do estigma no acesso à prevenção e cuidado do HIV precisam ser considerados no planejamento das respostas à Aids dirigidas para mulheres trans no cenário nacional. Portanto, as atuais diretrizes, centradas na identificação e tratamento para todas as pessoas infectadas e na oferta das profilaxias pós e pré-exposição ao HIV, necessitam levar em conta as moralidades de gênero e sexualidade acionadas por essas tecnologias empregas na saúde pública.
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