30/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-20C - GT 20 - IST/HIV/Aids, ativismos e subjetividades |
31052 - “I = I” (INDETECTÁVEL = INTRANSMISSÍVEL): NOVOS SENTIDOS DA INFECÇÃO PARA QUEM VIVE COM HIV/AIDS, NOVOS DESAFIOS PARA A RESPOSTA À EPIDEMIA. PATRÍCIA ROCHA DE FIGUEREDO - USP, JOSÉ RICARDO DE CARVALHO MESQUITA AYRES - USP
Introdução: Circula cada vez mais a informação de que o vírus hiv não é transmitido sexualmente por pessoas que vivem com hiv/aids (PVHA) que mantém a carga viral indetectável através do tratamento adequado. Uma campanha internacional utiliza-se do “I = I” para impulsionar a mensagem.
Objetivo: O estudo pretende investigar as ressonâncias dessa nova forma de se colocar a questão da transmissão sexual, em termos de ausência de risco, para as PVHA. Interessa-nos como percebem esse dado no seu dia a dia, se há impacto e qual a natureza. De forma secundária, buscamos identificar potencialidades e limites do “I = I” em avanços nos Direitos Reprodutivo e Sexual das PVHA e no enfrentamento da chamada “sorofobia”.
Metodologia: O estudo lança mão da metodologia qualitativa e, dentro desse escopo, busca um tratamento compreensivo-interpretativo da questão, apoiado na tradição da hermenêutica filosófica de Gadamer. A técnica eleita para a produção do material empírico é de entrevistas semi-estruturadas com PVHA que estejam com carga viral indetectável há pelo menos 6 meses. O campo está sendo realizado no Centro de Referência e Treinamento em IST/Aids de São Paulo. Interessa buscar nas falas dos entrevistados uma compreensão do impacto e dos significados do “I = I” em sua vida cotidiana. O tratamento compreensivo-interpretativo que recebe o material empírico tem o intuito de alcançar uma compreensão aprofundada dos significados e sentidos presentes nas falas, confrontando os achados com os “pré-conceitos” que motivaram e desenharam essa busca de informações e atentando para as conformidades e rupturas desse confronto. O trajeto analítico-interpretativo seguirá os seguintes passos: (a) leitura compreensiva dos depoimentos dos entrevistados, visando impregnação, visão de conjunto e apreensão de suas particularidades; (b) identificação e problematização das ideias explícitas e implícitas; (c) busca de sentidos mais amplos subjacentes às falas dos informantes; (d) construção de síntese interpretativa, articulando objetivo do estudo, base teórica adotada e dados empíricos.
Resultados: Até o momento foram realizadas 9 entrevistas. Um entrevistado referiu nunca ter tido contato com a evidência de que aqui tratamos. O acesso à informação de que “I = I” dos demais deu-se através de mídias. Entre os entrevistados, 4 tinham discutido sobre o assunto com algum profissional de saúde do serviço. Foram identificadas convicções de que o tratamento impedia a transmissão, mas também a persistência de uma discursividade do tipo “risco baixo”, “risco mínimo”, “risco reduzido”.
Os depoimentos apontam para necessidades que tangenciam o “I = I”, queremos argumentar, não se restringem a questões sexuais ou reprodutivas. As pessoas falam do medo de passar o vírus nesse contexto, porém também em outras situações do cotidiano (“'Acho que mordi a bochecha'. Eu falei assim: 'Ai, então hoje não vou te beijar mais'”). Observa-se ambivalência em relação ao “I = I” (“Não transmite mesmo?”, perguntou um jovem após um encontro sexual). Tais ambivalências passam por preocupações que se colocaram no próprio processo de elaboração do consenso de se afirmar o risco zero nesse contexto, como a reinfecção e escapes virais (“Cê tem aquele escape dela. Então não adianta você falar 'Hoje eu tô bem, eu vou fazer isso'”), mesmo sabendo-se não repercutir em transmissão sexual no contexto do tratamento adequado.
Conclusões: A informação por si só, sem negar de forma nenhuma sua importância, pelo contrário, é apenas um passo num processo de reacomodação de práticas com relação a anos de experiência marcados pela ideia de “hipertransmissão” (“Não sei se daqui pra frente eu me acostumo com essa história”). Talvez o maior receio seja mesmo o de ser discriminado, de ser apontado, de ser julgado, de sentir-se culpado, ainda que essa questão da culpa da transmissão, tão presente nas narrativas das PVHA, possa estar em transformação em tempos de “I = I” (“Ele quebra a culpa, né?”/“Eu sei que não vou transmitir”). O espaço da entrevista que pretendia abordar essa “novidade” pôde abrir caminhos para conversas que não se restringem ao campo sexual ou reprodutivo (“Aquela conversa foi ó, libertadora”). Quando nos perguntamos se o “I = I” pode incidir na sorofobia, nos parece, ao escutar as PVHA, que sim, é uma janela de oportunidade. A mensagem da campanha “I = I” mostrou-se poderosa no sentido de transmitir a ideia de risco zero (“I=I? Que legal!”). Há que se considerar e valorizar a força ilocucionária dessa mensagem. A questão dos escapes virais e da reinfecção e se mostraram importantes de serem discutidas pois configuram nós no processo de apropriação da informação.
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