30/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-20C - GT 20 - IST/HIV/Aids, ativismos e subjetividades |
31478 - UMA TRAMA DE MUITAS VOZES: SENTIDOS E SIGNIFICADOS DO CUIDADO ÀS PESSOAS VIVENDO COM HIV NA APS DANIELY SCIAROTTA - IFF/FIOCRUZ, EDUARDO ALVES MELO - ENSP/FIOCRUZ, RAFAEL AGOSTINI - IFF/FIOCRUZ, ANA CAROLINA MAIA - IMS/UERJ, IVIA MAKSUD - IFF/FIOCRUZ, KATIA OVIDIA - IFF/FIOCRUZ, LUIZA COSENDEY - IFF/FIOCRUZ, SANDRA FILGUEIRAS - S- SES/RJ, FÁTIMA ROCHA - ENSP/FIOCRUZ, JORGINETE DAMIÃO - IFF/FIOCRUZ
O cuidado às pessoas vivendo com HIV/Aids (PVHA), no Brasil, tradicionalmente tem se dado no âmbito de Serviços de Atenção Especializada (SAE) e sob a condução de infectologistas. A partir de 2012, no entanto, começou-se a introduzir e ampliar a realização de testes rápidos para o HIV na Atenção Primária em Saúde (APS), apontando a maior centralidade que este nível de atenção passaria a ter nos processos de cuidado das PVHA. Em 2014, o Ministério da Saúde (MS) passou a recomendar - ainda que a decisão final seja da gestão municipal - o acompanhamento de PVHA por uma rede coordenada pela APS, desde que atendidos certos “critérios clínicos” cuja leitura biomédica classifica como “de baixo risco”. A proposição, é importante ter em conta, garante o respeito a escolha do usuário de ser atendido em um SAE. Apesar de municípios como Rio de Janeiro e Curitiba estarem se esforçando para a implantação dessa diretriz e da farta literatura sobre o cuidado das PVHA nos SAE, os dados produzidos sobre esse recente processo ainda são incipientes.
Se considerarmos o aumento da capilaridade da APS no Brasil - e especialmente no Rio de Janeiro - pelo aumento expressivo da cobertura da Estratégia de Saúde da Família (EsF), essas mudanças têm potencial de ampliar o acesso das PVHA aos serviços de saúde. Contudo, trazem consigo também desafios como, por exemplo, a qualificação técnica da equipe para lidar com o “manejo” clínico do HIV e com as questões sociais a ele associadas. O processo de descentralização também apresenta riscos como o aumento do estigma e da discriminação em decorrência da dificuldade de garantir o sigilo já que a unidade de saúde se localiza onde a vida cotidiana dos usuários acontece.
Neste contexto, o objetivo deste trabalho é discutir os sentidos e significados dados por diferentes atores ao processo de descentralização do cuidado às PVHA e da coordenação da APS. Nossas reflexões se inserem no âmbito de uma pesquisa intitulada “O cuidado às pessoas com HIV/AIDS na rede de atenção à saúde” realizada no município do Rio de Janeiro entre 2018 e 2019 por pesquisadores de diversas instituições. Nos marcos da pesquisa qualitativa, nossa investigação se apoiou na combinação de diferentes métodos e técnicas de pesquisa: estudo de caso, observação participante, entrevistas com múltiplos atores (profissionais, usuários, gestores e ativistas) e grupos focais com Agentes Comunitárias de Saúde (ACS).
Como principais resultados apontamos a perspectiva dos gestores que frequentemente associam a descentralização com a necessidade de diminuir o tempo de espera para o atendimento com infectologistas e aumentar o acesso das PVHA à rede. Entre os profissionais, aqueles ligados ao SAE se questionam sobre a capacidade de cuidado às PVHA pela APS; por sua vez,os profissionais ligados a APS, especialmente os médicos, defendem este processo como oportunidade de garantir o acesso e o cuidado de qualidade. Entre os usuários, os dados indicam diferentes conformações para a coexistência de negação, aceitação e receio em serem acompanhados pela APS e terem seu diagnóstico revelado na comunidade, a depender do nível de atenção ao qual estejam vinculados.
Em suma, múltiplas perspectivas coexistem no imaginário dos interlocutores sobre o cuidado às PVHA na APS. Dentre elas, destacam-se, de um lado: uma racionalidade técnica dos profissionais e notadamente dos gestores em torno do acesso. De outro: uma racionalidade subjetiva e prática dos usuários, que precisam gerenciar cotidianamente situações envolvendo risco e discriminação.
Conclui-se que a racionalidade das PVHA, que por vezes acabam por evidenciar óbvias limitações da descentralização, ora é coincidente ora tensiona a racionalidade técnica. Assim, evidencia-se o acerto da não obrigatoriedade do cuidado das PVHA na APS, ao passo que salienta-se a necessidade de que perspectivas de usuários e gestores/profissionais sejam colocadas em conversa. Esse movimento dialógico qualifica a capacidade de autoreflexão dos atores, de modo a considerar não apenas intencionalidades da descentralização como também efeitos concretos ou potenciais de tal processo, com especial atenção às diferentes apropriações das noções de território, acesso e vínculo feitas pelos atores.
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