28/09/2019 - 15:00 - 16:30 CB-20A - GT 20 - IST/HIV/Aids, redes de Saúde e proteção social |
31452 - O TRABALHO EM UM SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA ESPECIALIZADA EM HIV/AIDS: ATRAVESSAMENTOS ENTRE POLÍTICA E CUIDADO EM CONTEXTO DESCENTRADO THAIS RAQUEL PIRES TAVARES - UFRN, LUCAS PEREIRA DE MELO - USP
Introdução: A crescente demanda assistencial, trazida à tona pela epidemia da aids resultou em um crescimento progressivo de serviços ambulatoriais dentre os quais destacam-se os Serviços de Assistência Especializada (SAE) em HIV/aids. Somam-se à estas questões o perfil epidemiológico multifacetado entre os diferentes grupos sociais e regiões, com destaque para o processo de interiorização da infecção e suas especificidades em contextos de área remota. Neste estudo, área remota é entendida como uma complexa experiência social e (inter)subjetiva, um marcador social da diferença que modela as experiências dos sujeitos que vivem e trabalham nessas regiões. Objetivos: Compreender os atravessamentos que modelam a experiência de profissionais de um serviço especializado situado fora dos grandes centros urbanos. Metodologia: Trata-se de uma pesquisa social, cujo referencial metodológico foi a etnografia, realizada em um serviço especializado situado no interior do sertão nordestino. Para a coleta de dados utilizaram-se observação participante e entrevista semiestruturada com sete profissionais que compunham a equipe do serviço estudado, ambas realizadas entre julho e dezembro de 2017. O material empírico foi analisado por meio da técnica de codificação temática. A pesquisa foi aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa. Resultados e discussão: Os resultados, interpretados à luz da literatura socioantropológica, desvelam as principais questões imbricadas na experiência de produzir cuidado em HIV/aids em um contexto de área remota. O aspecto mais relevante deste estudo diz respeito à invisibilidade institucional do serviço como reflexo da atual configuração do dispositivo da aids no Brasil. Destaca-se a percepção de uma “economia” de visibilidade, dada pelos processos sociais de estigma e discriminação das pessoas vivendo com HIV/aids (PVHA) na sociedade mais ampla. No contexto de área remota, destaca-se como o lugar pode suscitar relações sociais, moralidades, códigos sociais e fronteiras entre a vida pública e a privada, diferentemente daquelas estabelecidas em grandes centros urbanos. Os resultados evidenciam também algumas dificuldades próprias de serviços localizados em áreas remotas, notadamente a inexperiência dos profissionais e seu agravamento pela carência de educação permanente, reflexos da ausência de suporte técnico-científico de outros profissionais e dos serviços de saúde que eram referência em infectologia, localizados a 280 km de distância. Destacam-se ainda as necessidades infraestruturais, o lugar das ações de saúde em HIV/aids na agenda política local e a centralidade do fazer médico na organização do processo de trabalho. Chama atenção, a agência dos interlocutores na produção de estratégias de enfrentamento dessas dificuldades, notadamente os aprendizados socializados na própria prática cotidiana, no compartilhamento de vivências e conhecimentos entre pares, restrito, no entanto, aos contatos dentro da própria equipe. O que se observou em campo é que nem sempre essa ‘parceria’ era suficiente, pois diante de demandas mais complexas, ficava evidente a inexistência de mecanismos institucionalizados que garantissem a promoção de um cuidado integral às PVHA. Este estudo acrescenta ao ressaltar a dimensão local como um marcador social da diferença que modelava as experiências dos interlocutores, pois é ali onde as diretrizes e os princípios da política de saúde são performados por profissionais, gestores e usuários compondo materialidades diversas. Diante disso, um dos desafios para a construção de políticas de saúde em HIV/aids é a necessidade de uma abordagem sensível aos contextos locais nos quais se produzem o cuidado das PVHA que transcenda os aspectos epidemiológicos e considere as experiências construídas, compartilhadas e significadas por esses sujeitos no processo de trabalho. Conclusão: O estudo permitiu o desvelamento das diversas nuances implicadas na produção de cuidado em HIV/aids num contexto de área remota no Nordeste brasileiro. Espera-se que os resultados deste estudo possam estimular reflexões em torno da prática profissional nos serviços especializados em HIV/aids em contextos descentrados e da formulação de políticas públicas que considerem as peculiaridades desses contextos, além de contribuir para a mitigação das desigualdades sociais em saúde, notadamente quando o foco se volta a esses muitos brasis profundos, conforme se quis evidenciar nesta investigação.
|