29/09/2019 - 15:00 - 16:30 CB-20B - GT 20 - IST/HIV/Aids, prevenção, diagnóstico e tratamento |
31014 - PESSOAS VIVENDO COM HTLV: SENTIDOS DA ENFERMIDADE, EXPERIÊNCIA DO ADOECIMENTO E SUAS RELAÇÕES COM O TRABALHO MARIA CLARA LEAL TEIXEIRA - FIOCRUZ, ÉLIDA AZEVEDO HENNINGTON - FIOCRUZ
Estima-se uma prevalência de 2,5 milhões de pessoas infectadas pelo vírus linfotrópico de células T humanas no Brasil, atingindo sobretudo populações negras e de baixo nível socioeconômico. A transmissão ocorre via sexual, parenteral ou vertical. Embora a maioria dos pacientes seja assintomática, cerca de 2-10% dos infectados desenvolvem problemas de saúde, incluindo quadros neurológicos incapacitantes e outras doenças graves. O HTLV está associado a doenças graves como leucemia/linfoma de células T do adulto, mielopatia/paraparesia espástica tropical e outras manifestações clínicas, tais como uveíte, artrite, dermatite infecciosa. O quadro mórbido é progressivo e insidioso e pode iniciar com fraqueza muscular de membros inferiores e espasticidade de graus variados que repercutem na locomoção, além de distúrbios esfincterianos e sensitivos. Apesar de ser considerada uma infecção endêmica no Brasil, a triagem sorológica é obrigatória e disponível somente para os doadores de sangue. O objetivo do estudo foi compreender a experiência do adoecimento da pessoa com HTLV, os modos de andar a vida e as relações com o trabalho de pacientes de instituto de pesquisa em doenças infecciosas no Rio de Janeiro. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com amostra intencional constituída de 31 pacientes que compareceram no serviço de saúde no período de 22/08/2018 a 09/10/2018. O final da seleção de sujeitos ocorreu por saturação. As narrativas orais constituíram o corpus do discurso que foi analisado com ajuda do software Sketch Engine e à luz de referenciais da socioantropologia e da abordagem ergológica do trabalho proposta pelo filósofo Yves Schwartz. A maioria dos entrevistados eram aposentados por invalidez, com idade média de 60 anos, mulheres, solteiras, pardas ou negras, de baixa escolaridade e cristãs. O corpus formado a partir das narrativas orais revelou escolhas lexicais (frequência e qualidade) sobre a experiência do adoecimento de pessoas vivendo com HTLV. Foram analisados as categorias “doença”, “HTLV” e “trabalho” a partir das ocorrências e repetições dos termos e encontrados palavras e enunciados relacionados à família e religiosidade. As principais narrativas, além dos sintomas físicos e as dificuldades atribuídas a eles, foram queixas sobre preconceito, falta de apoio familiar e de trabalho e ausência de políticas públicas voltadas para as pessoas que vivem com HTLV. Os discursos fizeram forte referência a machismo, resignação e religiosidade. O diagnóstico do HTLV causa impacto negativo. Além de ser uma infecção sexualmente transmissível, a sintomatologia, limitações e incapacidades evidentes ao olhar acarretam o estigma da deficiência física, e o próprio paciente se sente segregado em decorrência de sua autoimagem como incapaz e por ter se tornado um peso para as pessoas do seu convívio. As limitações físicas os tornam dependentes de outras pessoas e de objetos como muletas, andadores e cadeiras de rodas, acarretando tristeza, menos valia e quadros mais graves de sofrimento psíquico. A autoimagem de um corpo antes saudável passa a ser a de um corpo doente, deteriorado, levando a um processo de luto pelo próprio corpo e alterando a própria identidade. As manifestações do HTLV trazem prejuízos no trabalho/atividade, seja ele formal, informal ou doméstico. As aposentadorias por invalidez mostram que o HTLV repercute diretamente na vida do paciente que trabalha, na medida que o limita e incapacita, retirando-o do mercado de trabalho ainda em idade produtiva. O trabalho doméstico é impactado, sobretudo para as mulheres, que historicamente assumem este tipo de atividade. Estar fora da condição para o trabalho entristece estes indivíduos, à medida que reduz a renda da família, faz diminuir as relações sociais das pessoas afetadas que ficam mais restritas ao ambiente familiar, perdem sua identidade e autonomia, convivem com o tédio e o sentimento de inutilidade. A doença pode ser ressignificada e os lutos superados ou não. Os mecanismos de defesa identificados foram aceitação e negação. A forma mais comum de enfrentamento se deu pela espiritualidade. Apesar das religiões cristãs favorecerem formas de enfrentamento, elas também estão associadas a um maior estigma pelo fato de ser uma infecção sexualmente transmissível. Conclui-se que a experiência vivida pelos pacientes afetados pelo HTLV está relacionada ao diagnóstico, adoecimento e seus impactos, seja na esfera física, psíquica ou social, especialmente o trabalho. Religiosidade, estigma e normas tradicionais de gênero se encontram entranhados na dinâmica da vida desses pacientes e refletiram a interpretação e vivência da doença. Compreender a experiência do paciente permite um melhor cuidado, apoio social e uma atenção integral à saúde, além de favorecer a defesa de seus direitos.
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