28/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-19A - GT 19 - Comunidades Virtuais e Saúde |
30073 - A VOZ DOS USUÁRIOS NA REDE: RELATO DE EXPERIÊNCIA EM UMA OFICINA DE INFORMÁTICA COM USUÁRIOS DE SAÚDE MENTAL ALAN COUTINHO CENA - UFRJ, MÔNICA MONTEIRO PEIXOTO - UFRJ, FERNANDO SCHIMIDT EL-JAICK - UFRJ, OCTAVIO: SERPA JR., O. D. - UFRJ
O projeto A voz dos Usuários surgiu em 2005 quando um grupo de usuários de um
Centro Universitário de Saúde Mental no Rio de Janeiro foi convidado para participar de
atividades de docência prática em uma disciplina oferecida para a graduação em psicologia.
O objetivo da iniciativa era contribuir para a formação de profissionais mais sensíveis, além
de colaborar para o enfrentamento do estigma. Assim, os usuários elencaram temas em
saúde mental a serem debatidos, ocupando uma posição ativa por meio da transmissão de
suas experiências de sofrimento psíquico. Desde então, o grupo tem expandido seu território
de atividades e atualmente realiza rodas de conversas regulares com alunos de medicina,
enfermagem e psicologia, além de atender convites internos e externos de outras instituições.
O grupo se reúne semanalmente para organizar sua agenda de atividades e refletir
sobre temas tratados. Para além das rodas de conversa, os usuários elaboram poemas,
poesias e textos temáticos, segundo o critério de cada um, o que proporciona formas distintas
de afirmação de identidades, que são compartilhadas nos meios virtuais.
Tendo em vista a atuação do grupo nessas mídias, tornou-se necessário um espaço
para instrumentalizar o uso do computador, principalmente a navegação na internet. Surge
assim, em 2010, a oficina de informática, sendo realizada até hoje. Nesta, um estagiário de
iniciação científica acompanha o grupo esclarecendo as dúvidas dos participantes, que fazem
uso livre do computador. A presença deste serve para contornar as eventuais inseguranças dos
integrantes no uso de ferramentas digitais. A oficina ganha especial relevância quando se
considera que, muitas vezes, os usuários não têm acesso ao computador e internet em suas
residências. Assim, a democratização do acesso se torna parte necessária para a inclusão
desses usuários nessas mídias. Observamos que os usos da máquina e dos mecanismos de
consulta da internet funcionam como canais que possibilitam aos integrantes a oportunidade
de refletir e buscar soluções para seus problemas. Essa novidade na forma de transmitir
situações de vida coloca os usuários em contato com os encantos e desencantos da internet, o
que tem promovido, por exemplo, discussões sobre privacidade e alcance das postagens,
despertando sensações até então inexploradas.
A oficina proporciona a afirmação de identidade a partir da produção de um espaço
onde circulam afetos. Esse movimento, que é estabelecido em grupo, favorece o vínculo entre
os usuários. Na oficina, o que analisamos não é a qualidade ou a quantidade de matéria a ser
(re)produzida, tampouco buscamos diagnosticar o que vem à tona em cada movimento dessas
ações; conseguimos sim, pensar a produção de saúde e subjetividade via agenciamento com
tecnologias modernas, que são hoje, na forma da internet, elemento manifesto na vida dos
cidadãos e nos contextos da saúde.
No contexto da saúde mental, a oficina possui um papel ativo na disponibilização de
redes virtuais por onde circulam impressões de vida. Os usuários experimentam uma nova
possibilidade no gerenciamento de seu modo de vida que se traduz em liberdade. Seja como
for, compartilhar vivências na web é se incluir num espectro de pertencimento
contemporâneo, o que constitui produção de cidadania.
As atividades da oficina inserem os integrantes numa nova forma de enfrentar suas
experiências em saúde mental. Para isso acontecer, a iniciativa de ação de cada um é
necessária, no seu devido momento e conveniência, de modo que o usuário se sinta à vontade.
Assim, a democratização do acesso não passa apenas pela disponibilização dos
computadores, mas também pela a garantia de acesso, produção, seleção e significação da
informação.
As narrativas em saúde mental, produzidas na oficina, são partes do percurso de vida
de cada um, que fazem ou não sentido para muitos de nós, e são, indubitavelmente,
uma forma de representar aquilo que é vivido no nível das condutas íntimas, consistindo
numa verdade que é única e máxima para cada usuário. No encontro desses corpos
(eletrônicos, humanos) nos deparamos com uma diversidade de narrativas de adoecimento e
de recuperação, algumas ainda em processo. E é justamente nesse espaço que muitos dos
usuários encontram meios de compartilhar suas experiências de sofrimento - inferimos que
essa proximidade com a internet é parte de um processo de autonomia e empoderamento, pois
ali encontram vias de afirmação de suas próprias existências, o que também configura uma
ressignificação da máquina, que não só opera “automaticamente”, mas depende da atuação de
um protagonista que a coloque em movimento.
Neste sentido, a máquina pode operar a favor da saúde, pois viabiliza possibilidades
de entendimento de seus quadros e mais, opera-se um dispositivo de entendimento sobre
si que é novidade e utilidade para aqueles que veem ali formas de expressar vivências
adoecedoras. O sujeito que a maneja adquire a função de significar cada passo que conduz à
navegação na web.
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