29/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-19C - GT 19 - Novas Mídias e Saúde |
31234 - INTERNET E PRÁTICAS DE SAÚDE NA CULTURA CONTEMPORÂNEA: A EXPERIÊNCIA DA PRÉ-DIABETES E O PACIENTE 2.0 NO INSTAGRAM CAMILA CALADO - UFPI
Na cultura contemporânea, experimentamos a cientifização da vida e da morte. A invasão do cotidiano pela ciência e pela tecnologia vem provocando profundos impactos nos modos de ser, viver e cuidar da saúde, através de uma ampla circulação entre real e virtual. Identificamos a reconfiguração das noções de saudável e enfermo. O anormal passa a abranger quase totalidade da sociedade e o normal é idealizado, com a proposição do cuidado crônico e o alargamento dos limites espaciais e temporais do cuidado. Ampliam-se as intervenções médicas mesmo sem a experiência individual da doença. E a experiência de estar sob risco é convergida na experiência da doença em si (ARONOWITZ, 2009).
Nas últimas décadas, a cibercultura também vem impactando os modos de conceber os processos de saúde e doença, as relações entre médicos e pacientes, a forma dos pacientes gerirem e narrarem suas experiências com a doença e a sociabilização dos atores do sistema de saúde (BUSTAMANTE, 2010; GARBIN, PEREIRA NETO, 2008; GRAJALES III et al., 2014, 2014 HONORATO, 2014). Verifica-se uma participação mais ativa de indivíduos comuns na produção de conteúdos e de testemunhos terapêuticos. Os pacientes passam a ser autores de narrativas variadas sobre os processos de saúde e doença, que recusam mediadores na narração da sua experiência.
O paciente reivindica para si a autoridade da experiência. O paciente 2.0 participa ativamente do universo online, com testemunhos sobre a doença, com o compartilhamento de informações sobre o tratamento e a gestão individual da enfermidade. O empoderamento dos pacientes pode ressignificar as usuais relações sociais entre os atores do sistema de saúde e aumentar a cidadania em saúde, ampliando a participação social e política dos enfermos (KLEBA, WENDAUSEN , 2009).
Estudou-se a convergência da experiência da doença crônica e do risco no caso da pré-diabetes, a partir da análise de materiais produzidos pelos próprios pacientes potenciais no universo online, observando o empoderamento dos pacientes e sua participação no reforço da condição pré. Analisaram-se as publicações da hashtag #prediabetes no Instagram em novembro (mês mundial de conscientização da diabetes) de 2017, com base na análise de conteúdo categorial (BARDIN, 2009). As postagens foram categorizadas em quatro dimensões: disease awareness, medo e risco, risco e controle, identidade do paciente.
O discurso médico é reproduzido no instagram através de postagens de pacientes com mesmo teor e sequência narrativa: alta prevalência da doença, subdiagnóstico, subtratamento, convite ao diagnóstico e à realização de exames, e apresentação dos riscos à saúde. O pré-diabetes é apontado como um caminho para o diabetes que pode ser revertido, devendo ser compreendido como uma oportunidade de mudança e de ação com vistas a mudar o futuro crônico. É apresentado não apenas como uma condição anterior à doença, que não ofereceria riscos ao doente, mas como uma condição médica que já oferece riscos à saúde - recuperação da estratégia marketing do medo.
A responsabilização é conferida ao indivíduo na medida em que cabe a ele a orientação do seu futuro, a partir dos cuidados com a sua saúde. A relação temporal presente-futuro aparece em diversas postagens: são as escolhas no presente que irão orientar os resultados futuros, e a luta deve ser diária para alcançar um futuro mais saudável.
Alguns pacientes adotam a hashtag #prediabetes irrestritamente nas postagens realizadas, inclusive no dia do casamento; alguns se identificam como pré-diabéticos já na descrição do perfil do instagram; e outros publicam fotografias com momentos do gerenciamento da doença. O compartilhamento de experiências na gestão da doença é um modo de reforçar a identidade enquanto sujeito enfermo e o senso de pertencimento a um grupo. É comum uma narrativa de reforço identitário e de aceitação da doença construída a partir das mudanças que a enfermidade trouxe para a vida. Outra motivação para o compartilhamento de experiências com a doença é ajudar outros pacientes que lidam com os mesmos sofrimentos.
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