28/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-32A - GT 32 - Crise, Contrarreformas ultra neoliberais e políticas de saúde |
30080 - UMA DÉCADA DE CRISE NA ESPANHA: IMPACTOS E PERSPECTIVAS NO OLHAR DE PESQUISADORES DA SAÚDE PÚBLICA E COMUNITÁRIA HELENA MARIA SCHERLOWSKI LEAL DAVID - UERJ, JOSÉ RAMÓN MARTÍNEZ-RIERA - UNIVERSIDADE DE ALICANTE, ESPANHA
Apresentação: A Espanha, após superar por meio de um forte sistema de bem-estar social as desigualdades e a pobreza resultantes da guerra civil e do regime franquista passou por notável processo de desenvolvimento social e econômico, que resultou na universalização do acesso a serviços e bens públicos como saúde e educação. A configuração do modelo de Atenção Primária de Saúde, a partir da Reforma Sanitária na década de 80, se inspirou nos modelos italianos e nos princípios emanados da Carta de Alma-Ata, e se expandiu em todas as Comunidades Autônomas. A crise econômica europeia atingiu de forma mais severa países como Portugal, Espanha e Grécia, com fortes impactos no setor imobiliário e de acesso à moradia, serviços e na oferta de empregos. As medidas de austeridade impostas aos países resultaram em cortes de recursos e serviços cujos efeitos persistem uma década depois, e vem sendo analisados por pesquisadores da saúde pública e comunitária. Objetivo: apresentar e discutir os contornos da crise econômica espanhola e seus efeitos na saúde na perspectiva de pesquisadores da saúde pública e da saúde comunitária espanhola. Metodologia: componente exploratório do estudo “A enfermagem de Atenção Primária de Saúde em uma perspectiva comparada entre Brasil e Espanha: Conjunturas de crise e impactos na saúde”, financiado pela CAPES. Abordagem qualitativa, com entrevistas individuais em profundidade e abertas sobre o tema crise econômica e impactos na saúde com cinco pesquisadores espanhóis. As entrevistas foram gravadas e, após transcrição, analisadas com a utilização dos passos da Análise Temática de Conteúdo, identificando núcleos de sentido. Resultados e discussão: Os resultados foram agrupados em dois eixos: efeitos da crise na saúde da população, e impactos na Atenção Primária. Houve unanimidade em considerar que as formas como os governos geriram o processo político e econômico durante a crise priorizaram responder aos órgãos deliberativos da Comunidade Europeia, sem debate interno com a população, e resultaram em medidas de austeridade em termos de cortes de recursos e investimentos públicos em saúde, educação e moradia que ameaçaram o acesso universal aos serviços nesses setores. O impacto negativo mais imediato foi nos níveis de desemprego, que chegou a atingir quase um quarto da população, desigualmente distribuído, afetando mais a grupos populacionais como a população cigana, migrantes, mulheres e jovens. Os impactos na saúde não resultaram em mudanças nos indicadores gerais que possam ser atribuídos à crise, embora sejam destacadas mudanças em taxas específicas, como a de suicídio em certos grupos e localidades. No setor saúde, houve imediata redução e não reposição de pessoal nos postos de trabalho para enfermeiros e médicos, e restrição na oferta em termos de diminuição de itens da carteira de serviços, instituição de co-pagamentos e exclusão do acesso à população migrante. Há a hipótese de que as medidas restritivas na saúde e outras áreas, como a provisão da alimentação a escolares ou o congelamento das pensões de idosos, vem impactando de modo indireto, sutil e lento no aumento das taxas de prevalência e de complicações de enfermidades crônicas e co-morbidades em certos grupos. Na Atenção Primária, a diminuição de pessoal e postos de trabalho vem levando à sobrecarga e ao priorização de ações de caráter curativo e de resolução de problemas imediatos, esvaziando a capacidade de desenvolver projetos comunitários e de promoção da saúde. Os processos de trabalho foram reconfigurados de forma a atender a uma demanda de atendimento crescente, sobretudo de casos crônicos e complexos, gerando um trabalho de equipe fragmentado e calcado em uma perspectiva curativa. Os pesquisadores indicam que há diferenças importantes nas respostas à crise em algumas Comunidades Autônomas em decorrência das economias locais, das formas de relação estado-sociedade e do investimento em políticas públicas. No setor saúde, destaca-se o movimento de trabalhadores denominado “marea blanca” como forma de resistência. Conclusões: Há concordância em que, embora amenizada, a situação de crise persiste, já que não foram retomados os patamares anteriores em termos de investimento e custeio públicos. As conquistas em termos de bem-estar social foram afetadas pelas medidas de austeridade, mas o desenvolvimento social e as formas de participação e pressão da sociedade espanhola têm sido capazes de “blindar”, em alguma medida, os impactos negativos. Os efeitos mais severos e negativos sobre a saúde da população não se expressam em indicadores gerais, e só podem ser captados por meio de estudos específicos, junto aos grupos vulneráveis. A Atenção Primária, que já vinha mudando o enfoque nas necessidades de saúde em favor de um modelo centrado na resolução imediata de problemas instalados, tem hoje seus serviços sobrecarregados, embora ainda resolutivos.
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