29/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-32F - GT 32 - Trabalho, saúde e estratégias de formação |
29802 - O TRABALHO PARA ALÉM DAS TÉCNICAS: UMA EXPERIÊNCIA EDUCATIVA COM ACS MARCIA RAPOSO LOPES - EPSJV/FIOCRUZ, ANNA VIOLETA DURÃO - EPSJV/FIOCRUZ
Acreditamos que o direito a educação envolve mais do que a formação para ocupar um espaço no mercado de trabalho. Ele diz respeito ao direito do ser humano descobrir e desenvolver diferentes potencialidades, ter acesso a conhecimentos importantes produzidos pela humanidade durante séculos, ampliar suas possibilidades de análise sobre o seu cotidiano e o mundo. É papel da formação favorecer não só a realização pessoal dos sujeitos, mas também a luta pela construção de um mundo melhor.
É neste sentido que pretendemos trazer neste trabalho uma experiência formativa realizada a partir do Eixo Trabalho do Curso Técnico de Agentes Comunitários de Saúde (CTACS) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz (EPSJV) no período de novembro de 2018 a abril de 2019. Mais do que o relato da experiência queremos problematizar o efeito de um conteúdo relativo a organização do trabalho nas sociedades capitalistas na formação dos trabalhadores, em especial os de nível médio e fundamental com o é o caso dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS).
Importante ressaltar que este curso é ofertado apenas para trabalhadores do SUS e tem por objetivo profissionalizar e certificar, de modo a qualificar sua atuação profissional, fortalecê-los enquanto categoria profissional e potencializar o seu papel no processo de transformação do modelo de atenção à saúde.
Seguindo a proposta de educação politécnica da EPSJV, Curso Técnico de Agente Comunitário de Saúde inclui em sua grade curricular, além dos conteúdos próprios da formação técnica, temas e discussões que tem como objetivo ampliar o desenvolvimento destes trabalhadores e suas possibilidades de análise do mundo ao seu redor e, mais especificamente de seu trabalho.
O CTACS se organiza em eixos temáticos e oficinas que se distribuem pelas três etapas do itinerário formativo. Na Etapa Formativa I intitulada “construção histórica do trabalho do ACS políticas públicas, território e educação em saúde” que possui ao todo 400 horas, se oferta o Eixo trabalho com carga horária de 60 horas.
O Eixo trabalho tem como objetivo colocar em discussão a organização do trabalho no sistema capitalista, expandindo as possibilidades dos alunos de construir um olhar crítico não só sobre o seu cotidiano de trabalho, mas também sobre os processos laborais dos usuários cadastrados em suas microáreas. A ementa do eixo inclui um debate sobre o sentido ontológico do trabalho; as principais características do trabalho no capitalismo; trabalho e gênero; transformações no trabalho, saúde e sofrimento do trabalhador, organização dos trabalhadores e também o processo de trabalho dos ACS.
A dinâmica das aulas parte sempre das experiências vividas pelos estudantes, inclui debate de textos acadêmicos e discussão de filmes. Além disso, o ponto principal do eixo é um seminário onde os alunos, divididos em grupos, apresentam suas análises sobre entrevistas com ACS e usuários sobre seus processos de trabalho.
O tema que, a princípio, parece sem sentido para os estudantes, acaba por mobilizá-los intensamente. Inicialmente, enredados num processo de catarse, expõem continuadamente suas condições de trabalho precárias e as falhas gritantes do sistema de saúde. É difícil sair deste lugar queixoso, refletir, pensar em estratégias de ação... A discussão do trabalho trazida por textos acadêmicos parece não ajudar muito neste processo. No entanto, duas experiências específicas da nossa programação propiciaram que conseguíssemos caminhar por outra direção.
A primeira foi a leitura de pequeno texto do Livro o Papalagui (que relata a experiência de um aborígene na Inglaterra no início do século XX). O estranhamento do aborígene em relação a práticas, próprias do trabalho em nossa sociedade, já naturalizadas em nossa cultura, nos ajudou a refletir sobre nossas atividades a partir de outros parâmetros. A segunda, foram as entrevistas com ACS e usuários sobre seu trabalho e a análise coletiva que fizemos a partir delas sobre condições de trabalho, organização do trabalho e saúde. Elas mobilizaram os alunos e permitiram uma reflexão mais amplas sobre a relação trabalho/saúde/sociedade.
Na avaliação feita com os alunos ao final do Eixo, estes fazem referência a construção de um outro olhar sobre o trabalho e sobre o trabalhador-usuário. Há referências também sobre sentir-se mais reconhecido não só nas suas atividades laborais, mas na vida. Nesse sentido, sobrelevaram o espaço escolar como um momento de troca e de valorização pessoal que permitiu ampliar a sua visão de mundo para além do campo restrito do trabalho.
No entanto, em face a difícil conjuntura atual, pouco se faz menção à luta coletiva para a transformação da realidade, ainda que este tenha sido um dos temas trabalhados. Fica a questão; como mobilizar o movimento dos trabalhadores em tempos de precarização e insegurança no trabalho?
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