29/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-1C - GT 1 - Saúde das populações do Campo, Floresta e Águas: pesquisas, experiências e vivências na direção de um conhecimento emancipatório. |
30375 - A URGÊNCIA DA ECOLOGIA DE SABERES PARA O DESAFIO DA DESCOLONIZAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO À SAÚDE DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL SARA EMANUELA DE CARVALHO MOTA - MINISTÉRIO DA SAÚDE, MÔNICA DE OLIVEIRA NUNES DE TORRENTÉ - INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA, JOÃO ARRISCADO NUNES - CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Contextualização: A engenharia sobre a qual se estruturam as desigualdades epistêmicas e a hierarquia de saberes que produzem como invisível ou subalterno o conhecimento elaborado sob outras racionalidades, que extrapolam a indolência da ciência moderna, está largamente descrita e analisada por autores como Boaventura de Sousa Santos. As denúncias em torno dos danos sociais, econômicos, culturais e epistêmicos associados a esta estrutura de pensamento hierárquica e monocultural, responsável pela reprodução de relações de poder coloniais que alcançam nossos dias, estão muito bem elaboradas e sintetizadas nas obras publicadas pelo autor e seus parceiros no âmbito das Epistemologias do Sul. Essa abordagem tem como objetivo central a recuperação dos saberes e práticas dos grupos sociais que, por via do capitalismo e do colonialismo, foram histórica e sociologicamente postos na posição de serem tão só objeto ou matéria-prima dos saberes dominantes, considerados os únicos válidos (Santos, 2008, p. 11). Ao constituírem uma reivindicação de novos processos de produção, de valorização de conhecimentos válidos, científicos ou não, e de novas relações entre diferentes tipos de conhecimento, as Epistemologias do Sul convidam-nos a refletir criativamente sobre a realidade com o objetivo de construir um diagnóstico radicalmente crítico do presente e possibilidades de alternativas para uma sociedade mais justa e livre (Santos e Mendes, 2017, p. 8). Descrição: neste relato, propomos um conjunto de reflexões que resultam do acúmulo de aportes teóricos e empíricos ao longo dos últimos anos e de inquietações vivenciadas durante o exercício da gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena no Brasil (SASI-SUS). O exercício analítico apóia-se, sobretudo, nas contribuições das epistemologias do Sul e suas ferramentas de substituição da monocultura do saber que caracteriza a ciência, o direito e o estado modernos por uma ecologia de saberes. Período de realização: de maio de 2014 a junho de 2017. Objetivo: apontar subsídios para a construção de estratégias envolvendo a sociologia das ausências e das emergências, a tradução intercultural, a artesania das práticas e, consequentemente, a ecologia de saberes, para a promoção da justiça cognitiva necessária à efetivação do princípio da atenção diferenciada à saúde indígena previsto na Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas do Brasil (PNASPI). Resultados: Como resultados propomos mudanças nos processos de trabalho e educação permanente das Equipes Multiprofissionais de Saúde Indígena (EMSI) a partir da aplicação da ecologia de saberes, a exemplo da utilização da linguagem teatral, nesse caso o método do teatro-fórum proposto por Augusto Boal no Teatro do Oprimido, como uma importante ferramenta para o estudo dos encontros clínicos e possíveis conflitos oriundos do diálogo assimétrico entre diferentes sistemas médicos, com vistas à reinvenção das práticas de cuidado em contextos interculturais, de maneira criativa e comprometida com o real enfrentamento dos problemas que afetam ou têm o potencial de afetar a saúde dos povos e comunidades indígenas. Aprendizados: Atuar na gestão do SASI-SUS permitiu conhecer os bastidores de uma política pública do estado brasileiro e seus processos de tomada de decisão, sua fragmentação e os constantes atravessamentos provocados pelas disputas políticas que marcam a situação dos povos indígenas no Brasil. Essa experiência, analisada à luz das reflexões teóricas oportunizadas nos processos de doutoramento e pós doutoramento, permitiu ainda reconhecer as linhas abissais que delimitam o conhecimento científico e as práticas que orienta, bem como, sobre as instituições e suas políticas de desontologização da saúde e colonização dos sujeitos. Análise crítica: Práticas de gestão e de atenção à saúde dos povos indígenas dispensam os principais processos através dos quais atuam os determinantes sociais participam dos indicadores epidemiológicos da saúde indígena, e atuam ainda sob a perspectiva assimilacionista. A necessidade de reconhecimento desses aspectos como condição para a efetivação do princípio da atenção diferenciada, traduzido timidamente na PNASPI como o respeito às concepções, valores e práticas relativos ao processo saúde-doença próprios a cada sociedade indígena e aos seus diversos especialistas (BRASIL, 2002, p.18), impõe a gestores e profissionais a urgência em desenvolver sensibilidades e competências adequadas ao complexo exercício do diálogo intercultural, em uma perspectiva emancipatória e descolonizadora.
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