29/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-1C - GT 1 - Saúde das populações do Campo, Floresta e Águas: pesquisas, experiências e vivências na direção de um conhecimento emancipatório. |
30686 - O CORPO E O GRUPO: UMA EXPERIÊNCIA SOBRE A FORMAÇÃO DO CORPO INDÍGENA A PARTIR DA GESTAÇÃO DE MULHERES INDÍGENAS NATALIA SOARES DALFIOR - UFES, MAIARA DA SILVA - UFES, ANNA PAULA MILANEZ FONSECA - UFES, JANAÍNA MARIANO CÉSAR - UFES, LUANA CARVALHO TRINDADE - UFES, RAFAEL DA SILVEIRA GOMES - UFES
Introdução
Este texto aborda as relações entre saberes tradicionais e práticas de cuidado, compartilhadas em um grupo de gestantes e anciãs Tupinikim e Guarani, realizado no Centro de Referência da Assistência Social Indígena em Aracruz/ES. Articulado a isso, acompanhamos como problemática a “fabricação” do corpo indígena, entendendo que o corpo nas comunidades indígenas possui um lugar central, pois é a partir dele que a base da organização social se estabelece, partindo então de uma construção coletiva.
O compartilhamento de saberes-práticas tradicionais move processos produtores de saúde não apenas na partilha de informações, mas também na construção/fortalecimento de uma rede de cuidado, que conecta as relações comunitárias, familiares e institucionais. Neste contexto, acompanhar a atualização e partilha dos saberes tradicionais entre jovens e anciãs gera pistas para acessar a “fabricação” do corpo indígena e o fortalecimento da experiência tradicional.
O aspecto tradicional dos saberes é frequentemente tomado numa compreensão fixada, que questiona sua legitimidade pela não fossilização em um tempo-espaço. Neste texto, por tradicional afirmam-se os saberes e memórias atualizados numa permanente reelaboração do território, costumes e mitos, na relação com a dinamicidade do tempo e espaço históricos.
Objetivos e Metodologia
Este texto vincula-se à pesquisa "Saberes tradicionais indígenas e produção de subjetividade: memórias e políticas de saúde” CAPES (Edital- Memórias: conflitos sociais). Um de seus fios de trabalho é a experiência do dispositivo grupal com gestantes, que acontece desde o início do ano de 2017, permitindo a troca de saberes, a acolhida das práticas cotidianas e a circulação das narrativas sobre gestação, parto, puerpério, cuidados com o recém-nascido, cuidado da mulher consigo mesma e as relações familiares e comunitárias neste período. Sendo possível construir conexões transversais nas quais diferentes saberes e vidas se articulam.
Resultados e Discussão
O “Grupo de Gestantes” em seu início era em forma de palestra. No decorrer dos encontros e da avaliação de seus efeitos, duas mudanças na direção se realizaram: um maior enfoque na troca de experiências entre as participantes; ampliação do convite às mulheres que já tiveram filhos e às anciãs das comunidades Tupinikim e Guarani. As mudanças reposicionam o caráter participativo do dispositivo e a afirmação dos saberes da comunidade indígena e, especialmente com a inserção das mulheres anciãs, produziram como efeitos o acesso e circulação das memórias e saberes, o investimento nas conversas e afetos. Este espaço-tempo vai se construindo em potencialização dessas mulheres e na afirmação de modos de vida e cosmologias singulares.
No grupo, composto também por trabalhadoras do CRASi e pesquisadoras, as participantes se sentem à vontade para partilhar experiências relacionadas à gravidez e ao parto, situações de preconceito e violência vividos nos serviços saúde, a importância dos familiares neste processo, entre outros. A presença das anciãs tece uma oportunidade de acessar práticas-saberes tradicionais valorizando e reinventando aspectos culturais, além do fortalecimento do lugar delas como guardiãs vivas da história e memória. Emerge uma dimensão formativa no grupo, produtora de uma memória coletiva em que os saberes partilhados se diversificam diante das diferentes vivências e se modulam coletivamente à medida em que os encontros acontecem.
O grupo em um CRASi também não é trivial, pois força movimentos de reposicionamento dos objetivos e direções vinculados a um aparelho do Estado, solicitando cada vez mais parceria e acolhimento da experiência situada dessas comunidades, abrindo um exercício de aproximação e diálogo com diferentes gerações.
Considerações Finais
O campo do cuidado, seja na saúde ou assistência social, é atravessado hegemonicamente por uma visão advinda do modelo biomédico dos processos de saúde-doença. Com a experiência no grupo, visibilizamos outras formas de promoção de cuidado que não passam apenas pela figura do especialista e pela centralidade na experiência biológica desvinculada de uma dimensão espiritual. O cuidado então se afirma por outras vias: pela narratividade e práticas-saberes tradicionais, vinculadas à ancestralidade.
Dimensionamos que a narratividade é uma das ferramentas essenciais para o fortalecimento da comunidade, dessas mulheres e do corpo indígena. O grupo foi um disparador de práticas construídas diariamente, de saberes que são atualizados naquele espaço e fortaleceu um coletivo que simboliza a própria existência da comunidade, se pautando por uma via coletiva. O corpo indígena ocupa esse campo de construção coletiva, gerado na e pela comunidade. Assim, o dispositivo-grupal é um gérmen das relações estabelecidas na comunidade, apontando que o cuidado, narratividade e trocas de experiência, participam da constituição do corpo, individual e coletivo, posto que inclui a terra e os outros seres.
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