28/09/2019 - 15:00 - 16:30 CB-36A - GT 36 - Eixo 1 – Aprender com Dona Maria: artes e espiritualidades populares na construção do bem viver. |
31665 - OS ESTUDOS DE FOLCLORE ENQUANTO ARQUIVOS DAS PRÁTICAS POPULARES DE CURAS DIADINEY HELENA DE ALMEIDA - PREFEITURA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO
Apresentação
Considerando a vasta produção dos estudos de folclore, no Brasil e em Portugal, relacionada às doenças, aos modos de curar, aos modos de fazer dos remédios e a todos os sujeitos históricos envolvidos nesses costumes em torno da busca cotidiana pela saúde, percebe-se um material rico em conhecimentos e práticas do universo cultural dos curadores. Considera-se este material bibliográfico como uma documentação primária que permite o acesso a saberes e práticas populares de cura.
Objetivos e aporte teórico-metodológico
Objetiva-se analisar, na perspectiva da História Cultural e das Epistemologias dos Sul, os estudos de folclore publicados ao longo das primeiras décadas do século XX. Busca-se, portanto, identificar e compreender esses documentos assim como indicar suas possibilidades analíticas. Analisando a partir de uma leitura crítica, esses documentos estão presentes em um arquivo não convencional, mas também estão inscritos na sensibilidade, na memória, nas tradições, nas práticas e no aprendizado das mesmas no que tange aos cuidados dos males, das doenças e do corpo. Os sujeitos da pesquisa são os curadores tratando de suas dores e males, ao mesmo tempo em que afirmam a relação estabelecida com as experiências e conhecimentos que envolvem a busca pela cura.
Tais estudos apresentam uma dicotomia, que precisa ser ultrapassada por meio da compreensão dos saberes populares em torno da cura, seguindo assim as premissas da ecologia dos saberes postulado por Boaventura de Sousa Santos (2002) ao afirmar que é necessário superar a ideia de que as práticas constituem uma alternativa ao conhecimento científico.
Os saberes e as práticas populares em torno dos cuidados do corpo descritas por folcloristas, implica na constatação do “outro”, do não saber, do conhecimento exótico, do conhecimento canibalizado pela “imposição hegemônica de conhecimento-ciência” (MENESES, 2014).
Discussão
Os curadores compartilhavam de concepções de doença e de saúde, dos significados dos remédios e de uma mesma linguagem.
Compreende-se que, nessa coleção de dados imperou o exercício de poder e autoridade (MBEMBE, 2002). Não à toa, muitos dos escritores tinham formação médica e reforçaram o que se convencionou chamar de “medicina popular”. Contudo, os indícios permitem levantar questões importantes para se compreender historicamente as transformações e permanências numa longa duração nas concepções de saúde e de doença.
Valorizar as experiências que podem ser encontradas de modo fragmentado nos estudos de folclore representa uma ampliação da compreensão de mundo. Não se trata de subtrair a ciência médica, mas antes apontar para os diálogos e conflitos que sempre se estabeleceram com outros modos de curar, de encarar o corpo, de compreender o sofrimento, de perceber o restabelecimento e ainda preparar os seus remédios.
Considerações Finais
A análise do material folclórico possibilitou compreender o papel social desempenhado pelos curadores populares que, interpretados pelos folcloristas como “ignorância”, representam um conjunto de costumes que persistem no tempo e que envolvem concepções de corpo, de males e doenças próprios da cultura popular portuguesa e brasileira.
A memória e a oralidade interagem fazendo com que muitos conhecimentos em torno da doença e da cura sejam compartilhados por gerações. Os curadores populares detêm a hegemonia social diante das práticas médicas. A análise dessas práticas foi percebida pelo viés das expectativas e necessidades (THOMPSON, 1998) num contexto em que a ordem médica está em processo de afirmação hegemônica e os curadores atuam de forma estratégica e, assim, conseguem manter suas práticas e conhecimentos de cura ao longo do tempo. Assim sendo, trata-se de um conceito de cultura ancorada em seu contexto e na sua concretude.
Trata-se de um repertório (TAYLOR, 2013) de práticas que se configuram a partir de uma epistemologia própria, mas que se apresenta de forma deformada em toda bibliografia referente aos estudos de folclore. Percebeu-se a necessidade de diluir uma coleção de dados para dar vida aos sujeitos que vivenciaram as experiências de curar, de serem curados e de experienciarem esses processos de cura e de aprendizado.
MBEMBE, Achille. The power of the archive and its limits. In: HAMILTON, Carolyn et al (Org.). Refiguring the Archive. Cape Town: Kluwer Academic Publishers, 2002. p. 19-26.
MENESES, Maria Paula G. Diálogos de saberes, debates de poderes: possibilidades metodológicas para ampliar diálogos no Sul global. Em Aberto, Brasília, v. 27, n. 91, p. 90-110, jan/jun. 2014.
SANTOS, B. S. Por uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais, 63, outubro 2002: 203-280.
TAYLOR, D. O Arquivo e o Repertório. Performance e memória cultural nas Américas. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2013.
THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Cia. das Letras, 1998.
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