29/09/2019 - 15:00 - 16:30 CB-36B - GT 36 - Eixo 2 – Resistimos há 519 anos”: construção de conhecimentos a partir do bem viver e a luta por direitos dos povos indígenas em contexto de violações. |
30159 - A LUTA INDÍGENA PELO CUIDADO EM SAÚDE PARA ALÉM DA BIOMEDICINA: “TEM QUE SER DO NOSSO JEITO” NAYARA SCALCO - FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO; SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DE SÃO PAULO, JOÃO ARRISCADO NUNES - CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, MARÍLIA CRISTINA PRADO LOUVISON - FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
INTRODUÇÃO
Os povos indígenas vivem há mais de 500 anos na luta pela superação do colonialismo interno. As políticas integracionistas reafirmam a homogeneização das formas de vida, onde estes povos são sistematicamente produzidos como não existentes e, assim, habitam o outro lado da linha abissal, como nos indica Boaventura de Sousa Santos. A Constituição Federal de 1988 legalmente rompe com esta prática garantindo o direito do reconhecimento de suas identidades e modos de vida. O direito dos povos originários à saúde pautou três Conferências de Saúde Indígena que estabeleceram as diretrizes para a criação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI), vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS), em 1999. Desde o início de sua estruturação nos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), foram organizados os Conselhos Locais, Conselhos Distritais de Saúde Indígena (CONDISI) e o Fórum de Presidentes de CONDISI (FPCONDISI) no nível central.
As Epistemologias do Sul se propõem a reconhecer e visibilizar a pluralidade de conhecimentos e experiências que compõem o mundo. Assim, percebem os indígenas em movimento pelo reconhecimento dos seus modos de vida e suas formas de produção de cuidado. Em que pese o SASI garantir este reconhecimento e a atenção diferenciada, faz-se necessário que as diversidades de conhecimentos interajam livres de julgamentos e preservando suas autonomias, como propõe a ecologia de saberes. É nesta construção ecológica, onde há disputas, mas não produção de ausência e exclusão, que a produção do cuidado em saúde ocorre respeitando os modos de concepção de mundo e vida dos diversos povos.
OBJETIVOS
Este estudo tem como objetivo analisar a implementação da Política Nacional de Saúde Indígena, a partir das Epistemologias do Sul, com foco na participação dos povos indígenas e na garantia da atenção diferenciada.
METODOLOGIA
Foi utilizada metodologia qualitativa, com diversas fontes e materiais: análise documental das atas de reuniões do CONDISI do DSEI Litoral Sul e FPCONDISI, legislações, relatórios das cinco Conferências Nacionais de Saúde Indígena e 24 entrevistas em profundidade com indígenas, gestores, indigenistas e representante do Ministério Público Federal.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O SASI foi conquistado pela luta dos indígenas em movimento que reconheceram a necessidade de uma aproximação com o SUS para garantir acesso ao cuidado em saúde. Nesta mobilidade da linha abissal, que não garante a produção de existências indígenas nas políticas públicas, estão colocadas as disputas que se estabelecem na gestão e na produção de cuidado. Quanto à gestão, a grande variedade e fragmentação das normas, muitas vezes dissociadas do tempo e da organização do SUS, reflete na fragilidade da articulação interfederativa. Entre os desafios postos no âmbito da gestão aparece o da territorialização dos DSEI, que não coincidem com os territórios de estados e municípios e a gestão federal do SASI. É importante destacar que a gestão Federal é uma reivindicação dos indígenas, aprovada na 9ª Conferência Nacional de Saúde em 1992 e na 2ª Conferência Nacional de Saúde Indígena em 1993. O protagonismo dos indígenas nestes espaços de participação social não garante que as diretrizes aprovadas nas Conferências e estabelecidas na Política Nacional de Saúde Indígena se traduzam na política em uso. Para a maioria dos indígenas entrevistados o principal desafio do SASI é respeitar o modo indígena de ser, considerar as festas, os profissionais e as suas medicinas. Esta reivindicação de um sistema de saúde que respeite os jeitos indígenas explicita o colonialismo interno, conforme definido por Pablo González Casanova, que persiste no Brasil e nas relações entre o Estado e os povos originários. Os espaços de controle social - FPCONDISI, CONDISI e Conselhos Locais – no material analisado não se mostram suficientes para superar o predomínio da biomedicina. Assim, a atenção diferenciada, que se pauta no reconhecimento das desigualdades em saúde e na necessidade de modos de produção de cuidado que articulem as medicinas indígenas e a biomedicina e na diversidade cultural dos mais de 300 povos, permanece negligenciada na prática do cuidado em saúde dos diversos povos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O predomínio da biomedicina como forma científica e legítima do saber sobre a saúde acaba por interditar as pautas referentes às medicinas indígenas. Esta lógica perpetua a relação colonial do governo com os povos originários, principalmente sobre o saber, comprometendo a efetivação da atenção diferenciada, e, por consequência, do direito à saúde. Esta política, para ser efetiva, deveria se organizar na perspectiva da Ecologia de Saberes, considerando os modos de existência destes povos, principalmente sua relação com a terra, e sua construção como sujeitos coletivos.
FOMENTO: Apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
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