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28/09/2019 - 13:30 - 15:00
EO-25A - GT 25 - Entre aldeias, ruas e terreiros: do bem viver à RP

30761 - MEDICALIZAÇÃO DA SAÚDE MENTAL INDÍGENA: REFLEXÕES A PARTIR DOS POVOS WAIWAI
RUI MASSATO HARAYAMA - UFOPA


A discussão sobre saúde mental entre povos indígenas é tema controverso e polêmico. De fato, no início da antropologia, pesquisadores como William Halse Rivers Rivers, no exterior, e Nina Rodrigues, no Brasil, traziam consigo questionamentos sobre a questão da subjetividade das populações indígenas e temas da psiquiatria. Nesse sentido, as peculiaridades de comportamentos e ações foi, ao longo do tempo, consolidando-se em um ‘cultura’ que deveria ser respeitada e preservada. Atitudes vistas como desviantes nas sociedades ocidentais, como transes e práticas de iniciação ritual, modelos de tratamento e cuidado entre pares e intergeracional, processos xamânicos, entre outros elementos foram sendo considerados traços específicos de cada povo e que deveriam ser respeitados e mantidos, pelo menos dentro da discussão teórica da antropologia, sem a intervenção do modelo biomédico ocidental. Entretanto, no caso brasileiro, a implementação do modelo de atenção diferenciada à saúde associado ao Sistema Único de Saúde tem trazido elementos que possibilitam questionar a forma como se compreende as discussões do bem viver e da saúde mental, sobretudo a partir da exotização dos processos de cura espiritual presentes no imaginário dos atores de saúde. Deve ser observada a perpetuação da medicalização do cuidado na história de implementação do modelo de atendimento diferenciado, que é mediada pelos equipamentos e atores da medicina ocidental e que muitas das vezes são recebidos junto a outros equipamentos ocidentais, como a escola e a religião.
A pesquisa baseia-se na investigação da literatura e na pesquisa etnográfica em progresso desde 2018 com os povos da Calha Norte do Pará, em especial os Waiwai, e corroborada pelas discussões travadas com discentes indígenas waiwai estudantes do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Oeste do Pará.
Resultados e discussão
É recorrente na literatura a observação de que os waiwai foram evangelizados na década de 1950 por missionários americanos e que esse processo de evangelização modificou hábitos e costumes, como, por exemplo, a territorialização atual em grandes aldeias. Também trouxe consigo o discurso de que entre os waiwai o feitiço e o papel do xamã foram perdidos. Essa mudança é datada historicamente, na fala dos próprios waiwais e na literatura, e é a partir da conversão do grande líder espiritual Ewka que a prática xamânica perdeu força e foi sendo associada à prática demoníaca, e proibida entre os convertidos. Entretanto, pode-se observar que apesar de interdito, na etnografia e em conversas cotidianas, é recorrente a explicação do feitiço como etiologia das doenças. No contexto waiwai, apesar de não expresso pelos próprios atores, ainda circulam fofocas de casos de meninas que adoecem por conta dos feitiços lançados sobre elas e suas famílias. Também são recorrentes as acusações de que homens, velhos e jovens, são feiticeiros e aprendem técnicas de feitiço e de transformação em outros seres, como morcego e onça. Apesar do xamã ter sido substituído pelo pastor, como liderança espiritual, os feiticeiros ainda existem de forma secreta, sendo normalmente enunciado em fofocas e conversas não oficiais. Apesar de uma análise inicial poder tentar associar o xamã como ator do bem e o feiticeiro como do mal, observa-se que no cotidiano a prática do feitiço é compartilhada por diversas pessoas, convertidas e não convertidas, e que além de ferramenta de acusação, torna-se uma competência que precisa ser manejada, uma vez que há feitiços para seduzir mulheres que se não retirados após a efetivação da conquista podem gerar quadros de alucinações. Durante a etnografia pode ser observado que várias das doenças tratadas com medicamentos controlados eram explicados como sendo provocados por feitiços realizados por jovens e que não eram retirados.
Conclusões/Considerações Finais.
Esse quadro, de uma ação de feitiço que gera doenças mentais em uma comunidade oficialmente convertida ao cristianismo coloca em tensionamento ruídos que persistem no processo terapêutico, sobretudo na prática medicamentosa alopática normalmente preconizada pelas lideranças políticas - evangélicas. As falas das lideranças que solicitam medicamentos fortes para o trato de dores de cabeça retoma a discussão da bibliografia que indica que a conversão foi um processo de apaziguamento das guerras e mortes causadas pelo feitiço. A promessa da conversão parece estar associada a um mundo sem dores. O que os dados etnográficos demonstram é que o processo terapêutico ocidental não é exitoso em todos os casos, entretanto assumir que a operação de feitiços causa doenças mentais é assumir que o processo de conversão é falho ou incompleto, podendo gerar um processo de queda de prestígio étnico em relação às outras etnias da calha norte do Pará que foram ‘waiwainizadas’ ou trazidas ao mundo ocidental por intermédio dos wai wais.

local do evento

Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

Campus Central

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