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28/09/2019 - 13:30 - 15:00
EO-25A - GT 25 - Entre aldeias, ruas e terreiros: do bem viver à RP

31403 - CONSIDERAÇÕES SOBRE PSIQUIATRIA INTERCULTURAL E FENOMENOLOGIA
ÉRIKA FERNANDES COSTA PELLEGRINO - UFPA, WILLIAM ISAO MIYAMOTO - INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO


Na Psiquiatria contemporânea, o construto naturalista da doença mental busca abstrair conjuntos de sinais e sintomas em categorias diagnósticas, o que é observável principalmente a partir de comportamentos. Isso naturalmente torna o tema da psiquiatria transcultural campo de intensos debates, já que um mesmo comportamento pode ser considerado normal ou anormal a depender das culturas.
Como alternativa a esse modelo, entendemos o construto do campo da Fenomenologia, que metodologicamente não separa sujeito de objeto, nem indivíduo do mundo. O vivido fenomenológico liga indissoluvelmente comportamento externo e significação. As análises do tempo e espaço vividos, corporeidade e mundo, no sentido fenomenológico, são sempre análises culturais, pois a subjetividade é sempre intersubjetividade e historicidade, ou seja, culturalidade. A culturalidade humana é onipresente não como cultura abstrata, coisificada em termos de “fatores culturais”, mas como cultura vivida.
Em situações interculturais, isto é, onde o psiquiatra é colocado diante de um paciente de cultura diferente da sua, o problema é posto mais claramente. O objetivo do psiquiatra não se modifica por isto; afinal, não se trata de fazer o quadro semiológico dos comportamentos observáveis do paciente, mas sobretudo de descobrir a significação que se exprime nesses comportamentos. Stanghellini, falando sobre a temática da antropologia cultural e da intersubjetividade, diz que o encontro entre entrevistador e entrevistado é um encontro de co-presença. Nesse contexto, compreender é negociar um construto intercultural, e buscar a significação é conectar dois distantes horizontes de significados. Cada encontro com um paciente é um encontrar-se com uma cultura separada, com uma outra forma de ser no mundo. Três culturas, assim, estariam envolvidas no encontro: a do entrevistador, do entrevistado, e do meio social nos quais os dois se situam, ou da relação entre essas duas culturas.
Esses pressupostos teóricos têm auxiliado a guiar os atendimentos psiquiátricos realizados em comunidades indígenas e ribeirinhas na região do rio Xingu (cidade de Altamira, no Pará), a partir de demandas trazidas por movimentos sociais, Organizações não governamentais (ONGs) e instituições da rede intersetorial como FUNAI, Distrito Sanitário especial Indígena (DSEI) e Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Em articulação com um projeto de extensão universitária no recém-criado curso de Medicina do campus de altamira da Universidade Federal do Pará (UFPA), buscando receber ainda estagiários de outras instituições, como residentes de Psiquiatria, temos realizado atendimentos dentro dessas instituições ou a suas margens, como nas próprias comunidades, provocando discussões sobre como se dá o não acolhimento do aspecto da interculturalidade, e mais ainda, da dimensão sociopolítica do sofrimento das pessoas ao buscarem tratamentos em Saúde Mental.
Dentre esses atendimentos em rede, apresentaremos a experiência de dois médicos atendendo conjuntamente um indígena durante algumas semanas de janeiro de 2019, sem revelar sua etnia para preservação de sua identidade. Ele traz muitas queixas corporais inespecíficas, e já fora submetido a diversos tratamentos (de psicológicos a cirúrgicos), demandando a realização de exames de imagem para que se olhe dentro dele e veja o que ele tem, podendo assim ser tratado corretamente. Chama a atenção que a equipe da FUNAI preocupa-se que, ao chamarmos o que ele sente de “depressão”, como havia sido feito em avaliações anteriores, surja uma epidemia de depressão na aldeia, o que parece refletir o contexto político desse povo de recente contato, que ainda sofrendo os impactos do colonialismo e dos projetos desenvolvimentistas nos ciclos econômicos da região, particularmente a construção da Transamazônica, tem a sobreposição recente do grande influxo de recursos como forma de “compensação" pela construção da Hidrelétrica de Belo Monte. Esse processo tem como efeito o abandono de modos de vida tradicionais e a situação de dependência extrema das contrapartidas da empresa, em um processo denunciado pelo Ministério Público como etnocídio. Essa relação de subjulgação em relação à cultura do branco aparece o tempo todo na relação intersubjetiva durante os atendimentos, como expressão dessa dimensão do vivido. Acreditamos assim, que desse prisma a Psiquiatria pode contribuir apenas a partir do momento em que entende a doença e o diagnóstico não enquanto encarnações de destinos biológicos que devem ser apreendidos a partir de uma suposta neutralidade científica, mas sim apontando para as complexas interconexões entre o sintoma subjetivo e a patologia social, servindo de mais um apoio para uma rede intersetorial e multiprofissional que só será capaz de se endereçar à questão a partir de um comprometimento ético-político com as particularidades sociais e culturais locais.

local do evento

Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

Campus Central

A Universidade Federal da Paraíba é reconhecida pela sua excelência no ensino e em pesquisas tecnológicas e, atualmente, encontra-se entre as melhores Universidades da América Latina.

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