29/09/2019 - 13:30 - 15:00 EO-25C - GT 25 - Renovando Estratégias Desistitucionalizantes |
30068 - “PORTA GIRATÓRIA”, NEO-INSTITUCIONALIZAÇÃO E PRISÕES: ENTRAVES AO PROCESSO DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO LUISA MOTTA CORRÊA - UERJ
O processo de desinstitucionalização de pacientes psiquiátricos graves vem enfrentando desafios em diversos níveis que levam a diferentes formas de reinstitucionalização, como o fenômeno da “porta giratória”, a neo-institucionalização em asilos, hospitais particulares, abrigos e comunidades terapêuticas e as prisões. O objetivo do presente trabalho é investigar as principais razões deste retrocesso e, desta forma, identificar os entraves que precisam ser contornados para promover a desinstitucionalização em seu sentido mais amplo. Para tanto, foi feita uma análise bibliográfica de artigos, a partir da plataforma Bireme, e de livros centrais para a reforma psiquiátrica.
Em diferentes lugares do mundo, a queda nas internações psiquiátricas de longa permanência foi acompanhada pelo aumento nas taxas de reinternação. Além da natureza do transtorno mental, este fenômeno reflete a baixa qualidade do acompanhamento pós-alta, escassez de recursos comunitários, falta de articulação entre os serviços da rede, nível socioeconômico, desemprego, problemas de moradia, valores culturais, ausência de redes de suporte, intolerância social, estigma e dificuldades de ressocialização. Segundo Solomon e Doll (1979), o que pesa muito para o médico decidir pela reinternação é a situação do paciente na comunidade (falta de abrigo, comida, laços sociais...) ou os conflitos vivenciados com parentes. Muitas reinternações são fruto de fatores mais relacionados ao olhar da família do que à patologia, como a baixa tolerância em relação ao comportamento desviante e a insatisfação porque o paciente não trabalha e não assume papel doméstico nem financeiro, sendo visto como constrangimento social.
Em relação à neo-institucionalização, observa-se a ampliação de um circuito particular/religioso que têm as comunidades terapêuticas como exemplo emblemático, revelando formas de reatualização do manicômio. Com a aprovação do Projeto de Lei da Câmara 37/2013 em 15/05/2019, que altera o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, este circuito tende a se expandir, pois o texto reforça o papel das comunidades terapêuticas no tratamento de dependentes químicos. Vale ressaltar que o estímulo a estes espaços não altera apenas o destino dado a esta clientela. As comunidades vêm ganhando novos usos, passando a internar não só usuários de álcool e outras drogas, mas também pacientes com diversos tipos de transtorno mental (muitos sem possibilidade de retorno familiar), idosos sem moradia, pessoas de pouca condição econômica ou cujos comportamentos são considerados moralmente desviantes da norma (como nos casos de internações por “agressividade e rebeldia” ou “deficiência intelectual”), moradores de rua, adolescentes cumprindo medidas socioeducativas ou protetivas, usuários eventuais de drogas condenados por suas famílias e comunidade religiosa e jovens cuja conduta é desaprovada pelos parentes ou Conselho Tutelar (CFP, 2017). Estas situações evidenciam que as comunidades ganharam a função de isolar sujeitos que não se enquadram nos padrões sociais. Com base no tripé disciplina-trabalho-espiritualidade, elas buscam promover a reconstrução do eu incutindo no indivíduo as renúncias ao mundo características da sua configuração ideológica e social. Desse modo, restringem as possibilidades de restabelecimento de vínculos com o mundo civil e ampliam a dependência em relação ao universo moral e ao regime disciplinar da instituição (NATALINO, 2018).
As prisões são outro destino comum das pessoas com transtornos mentais, que correspondem a uma parcela de 55 a 80% da população carcerária, sendo a proporção de psicóticos várias vezes mais alta do que na comunidade (BRINK, 2005). Segundo Lefebvre (1987), a insuficiência e inadequação dos serviços sociais e de cuidado, bem como a incompreensão e rejeição tanto dos serviços públicos quanto da comunidade em relação a uma parcela de jovens pacientes psiquiátricos contribui para que sejam capturados pelo sistema criminal. O rótulo da periculosidade é usado para justificar a sua exclusão e encobrir a incapacidade do sistema de tratá-los.
Com base nas análises precedentes, é possível constatar que dois fatores perpassam estas 3 formas de reinstitucionalização: a insuficiência dos recursos comunitários e a intolerância social em relação ao paciente com sofrimento mental severo, do qual ainda se busca adequação a padrões produtivos e comportamentais. A manutenção do paradigma manicomial, que toma o louco como sinônimo de risco e improdutividade, associada à precariedade dos serviços territoriais, faz com que familiares, profissionais e a sociedade como um todo reergam espaços de exclusão, seja através de múltiplas internações curtas, da prisão ou de novos espaços asilares. Faz-se necessário, portanto, uma transformação sociocultural que envolva a educação permanente sobre a desinstitucionalização e a transmissão deste paradigma para toda a população, permitindo habilitá-la a conviver com a diferença.
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